A paisagem de São Paulo é sempre associada ao skyline dos prédios. Mas, com 11 milhões de habitantes, nível de poluição alto, bairros que se distanciam uns dos outros por mais de 30 quilômetros, a cidade cinza está ansiando por mais verde.
Seguindo uma tendência mundial, São Paulo assiste a intensificação de um movimento por mais áreas verdes, por espaços de convivência para as pessoas, por um dia a dia mais saudável. E a Zona Leste não está de fora desse movimento. Hortas comunitárias e agricultura urbana já fazem parte da paisagem e do cotidiano dessa árida região da cidade. São formas de plantar uma comida saudável, de estimular a convivência entre as pessoas e requalificar o espaço urbano, além de, em muitos casos, ser uma fonte de renda e fomentar o empreendedorismo.
Embora a agricultura não pareça ser a vocação do município, há quem acredite que é possível inverter essa lógica e deixar a cidade mais verde e sustentável, produzindo localmente uma parte do alimento que é consumido pela população. São pessoas como André Biazoti, que integra a articulação paulista de Agroecologia e faz parte do coletivo da Horta das Flores; Pedro Almeida, Rafael Tenório, seu Genival e Terezinha Santos, agricultores urbanos que cultivam alimento em São Mateus; Andréia Perez Lopes, da Associação de Agricultores da Zona Leste; e Hans Dieter Temp, fundador e diretor executivo da ONG Cidades sem Fome. Eles acreditam que é possível transformar não só a vida das pessoas que cultivam, como a própria cidade. Certamente, não é uma tarefa fácil e perpassa uma série de questões, principalmente as políticas públicas (que precisam ser feitas para incentivar novas iniciativas) e o nosso estilo de vida, baseado no alto consumo e no hábito de ter sempre na prateleira do supermercado aquilo que queremos, mesmo que essa não seja a época daquele produto. “A gente ainda não tem um projeto de cidade que contemple a agricultura urbana e outros tipos de uso de território a não ser para moradia. Essa é uma questão muito séria sobre a qual precisamos pensar enquanto sociedade, porque a previsão é de que em 2050, 80% da população mundial esteja morando no meio urbano”, diz Pedro. “Acho que o Planeta Terra tem capacidade de suporte para as pessoas que estão vindo. O problema são os valores e o estilo de vida baseado no consumo de combustível fóssil, no alto consumo de carne – que demanda muita área para ser produzida -, e que se esqueceu do que é a sazonalidade”, completa.
Há um ano, ele e Rafael plantam em uma área da Sabesp, em São Mateus. Essa é a profissão dos dois amigos, agricultores, que têm o apoio da Associação de Agricultores da Zona Leste, entidade que nasceu em 2009 para ajudar os produtores daquela região. Hoje, a Associação trabalha com 10 áreas – em São Miguel, Guaianases, Cidade Tiradentes e São Mateus -, oferecendo apoio legal e técnico, além de organizar a feira de produtos orgânicos que acontece aos sábados no Parque do Carmo, onde boa parte da produção dessas hortas é comercializada. As outras formas de comercialização são venda direta, entregas para o Instituto Chão, na Vila Madalena, e a parceria com alguns restaurantes. Essas hortas ocupam as chamadas áreas de servidão da Sabesp e das concessionárias de energia elétrica. São terrenos por onde passam dutos e onde há torres de transmissão, cedidos por comodato para ser usado pelos produtores.
Pedro, com 31 anos, e Tenório, com 29, são agricultores jovens, movidos pela vontade de trabalhar com a terra e de ajudar a construir uma cidade melhor. Eles não negam que há um pouco de ativismo no trabalho que fazem, mas que também é um negócio, uma forma de ganhar dinheiro e sobreviver. Por outro lado, há produtores mais tradicionais, como seu Genival, 67, e Dona Sebastiana. Depois de aposentados, descobriram que a agricultura urbana pode ser um complemento da renda. Há 8 anos, o casal mantém uma horta em São Mateus, onde cultiva diversos tipos de hortaliças e outros vegetais. “Isso daqui é muito trabalho. Venho todos os dias pra cá. Mas a terra quando é bem cuidada, traz o retorno”, diz.
Terezinha Santos Matos cultiva há 6 anos em uma horta de 4 mil m2 em São Mateus. Couve, cenoura, beterraba, coentro, alface, manjericão e repolho são alguns dos produtos que ela planta em um local tão silencioso que nem parece estar no meio da cidade. Um de seus pontos de comercialização é a feira de Orgânicos do Ceret, que acontece às terças-feiras, e também a da Mooca, às sextas. Ela acredita que é possível aproximar cada vez mais o consumidor dos produtores, como acontece na feira, onde pode conversar com quem compra. A venda local é, ainda, um dos grandes objetivos da Associação, que espera conseguir um espaço em algum mercado da região leste para que a produção possa ser escoada próximo de onde é produzida. “Queremos investir um pouco mais nessa questão local porque é importante que o nosso produto circule por aqui também”, diz Andréia.
Além dos benefícios para a vida dos agricultores – que ganham em dignidade e renda – e para os consumidores – que podem levar para a casa hortaliças limpas, produzidas sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos -, a agricultura urbana traz benefícios para a cidade. O local onde seu Genival está era um ponto de usuários de drogas. Com a horta, a paisagem foi transformada. No caso de Pedro e Rafael, eles ocuparam uma área que estava cheia de entulho e, em um ano, retiraram mais de 200 sacos de lixo. Com o plantio, o local deixa de ter essas características e passa a ficar muito mais agradável.
Para Hans Dieter Temp, da ONG Cidades sem Fome, que oferece apoio a 25 hortas na Zona Leste e mais 38 hortas escolares, a agricultura urbana é uma tendência mundial que só traz benefícios. “A venda local é muito importante porque você elimina o intermediário. Nesse momento econômico que vivemos, em que o emprego formal está difícil, é uma alternativa de trabalho e renda para quem está fora do mercado. O que a gente precisa é de mais políticas públicas que abracem essa ideia”, diz. “Eu estou há 10 anos nisso e tenho certeza de que há potencial para se produzir mais na cidade.
Existem alguns tabus quando se fala em agricultura urbana que precisam ser quebrados. Um é que São Paulo não tem áreas disponíveis. Tem muitas dessas áreas de concessionárias de energia, por exemplo. São companhias que atravessam o perímetro urbano. Isso sem falar em prefeitura e subprefeitura. O que precisa é de organização para conseguir essas áreas.
Outro tabu é de que é preciso de muita água para o cultivo. Não é. Com o manejo correto você consegue plantar sem precisar de muitas regas”.
Horta das Flores
Na Mooca, a Horta das Flores mobiliza um coletivo de pessoas interessadas em plantar, colher e aprender. A horta fica na praça Alfredo di Cunto, às margens da Radial Leste na altura do Viaduto Bresser. Tem um pouco mais de um ano que esse grupo se dedica à horta do local. Há um ano e meio, Pedro Almeida, que mora na Mooca, resolveu procurar o CADES (Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) para propor uma mobilização de moradores e fazer uma horta comunitária. “O subprefeito estava lá e disse pra ir em frente, conversar com o senhor que cuidava do espaço. Foi tudo bem informal e começamos a utilizar o espaço, limpar o entulho, fazer canteiro, compostagem, produzir muda. Depois de um ano, fizemos uma parceria com o projeto Praça dos Povos, que ajuda na revitalização de praças, e conseguimos recurso para comprar ferramentas, sementes, fazer eventos”.
Mas a praça Alfredo di Cunto já tem uma vocação para plantio. Em 2002 foi desenvolvido o primeiro projeto de horta para o local, por meio da subprefeitura, pelo qual mães de crianças carentes faziam o cultivo. Depois, o local teve uma escola-estufa e um viveiro de mudas. Em 2011, a prefeitura disse que venderia o terreno para a construção de uma creche. Houve uma mobilização de moradores para evitar que isso acontecesse. A praça, que é cercada por grades, teve sua função de praça retomada, mas as polêmicas não acabaram. No dia 30 de setembro, ela foi completamente fechada pela prefeitura. “Íamos fazer uma atividade de plantio e mandamos um e-mail notificando a subprefeitura sobre essa atividade. Foi aí que eles nos comunicaram que a praça estava completamente fechada e que não poderíamos fazer nada lá até o final do ano”, explica André Biazoti, um dos articuladores do coletivo.
Mas agricultores urbanos são resistentes e foram buscar um diálogo com a administração municipal. Depois de algumas semanas, conseguiram uma autorização provisória para que alguns integrantes do coletivo possam entrar no local e fazer, ao menos, a manutenção do espaço onde há ervas medicinais, couve, brócolis, beterraba, rabanete, inhame, rúcula, almeirão, mostarda, morango etc. A esperança é que após a reintegração de posse do Viaduto Bresser, marcada para o dia 13/11, a praça seja novamente aberta à população. Apesar de lamentar o fechamento da Horta das Flores, André diz que ter esse canal de diálogo com a subprefeitura é importante, até porque esse trabalho de horta comunitária pressupõe justamente essa união entre cidadãos e poder público. “Uma horta comunitária tem diversas funções. Uma delas é aproximar as pessoas do sistema alimentar. Mas tem também a questão da cidadania, de fazer os cidadãos cuidarem da cidade onde moram e se sentirem responsáveis pelo embelezamento e pela gestão do seu espaço. Tem uma questão cívica, de incentivar que as pessoas cuidem do bem público de uma forma mais ativa do que apenas votar e deixar a prefeitura fazer uma gestão que, muitas vezes, não corresponde aos anseios da comunidade”, avalia.
Horta no Parque
No Tatuapé – bairro que teve no passado diversas chácaras ocupando seu espaço e era, inclusive, fornecedor de hortaliças, frutas e legumes para o mercado municipal -, há uma horta e uma estufa no Ceret, mantidas pelos funcionários do parque. É um local agradável, onde há verduras como alface e rúcula, beterraba, pepino, chuchu, figo, uva, cenoura, espinafre, catalônia e até algumas espécies de PANC (Plantas Alimentícias não Convencionais), como o peixinho. Essa horta começou em 2010 e ocupa um espaço com cerca de 1.500 m2. A principal função dela é o trabalho educativo com crianças e jovens. “As escolas podem agendar visitas para realizar atividades educativas com os estudantes”, diz o agrônomo Luciano Bucceroni, responsável pelo espaço. Segundo ele, funcionários do parque cuidam de forma voluntária da horta, nos horários em que não estão trabalhando. A produção de verduras, frutas e legumes é dividida entre os funcionários do Ceret.