Sete anos depois de ver a vida mudar completamente, Lucas Junqueira, 28, vai estar, em setembro, em um local no qual nem imaginava em janeiro de 2009, quando se divertia na praia de Ponta Negra, no Rio Grande do Norte e, ao mergulhar em uma onda, bateu a cabeça em um banco de areia e fraturou a quinta vértebra. Naquele instante começou uma jornada que ainda está longe do fim, mas que vai ter um capítulo importante em breve, quando ele entrar em quadra com a Seleção Brasileira de Rugby em Cadeira de Rodas durante os Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro.
Não será a primeira vez que ele jogará pela seleção, mas será a primeira vez em uma Paralimpíada. Aliás, é a primeira vez da Seleção Brasileira de Rugby nesse evento. A participação foi garantida por o Brasil ser o País sede e a missão será dura, já que as outras sete seleções participantes são as melhores do mundo (Austrália, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Japão e Suécia). Mas o Brasil promete oferecer competitividade e dificultar a vida dos adversários. “Participamos do evento teste em fevereiro e jogamos contra o Canadá, Estados Unidos e Grã-Bretanha. Perdemos todas as partidas, mas fizemos bom jogos. Oferecemos competitividade para eles e mostramos uma evolução”, diz Lucas.
O caminho dele até a seleção começou naquele janeiro de 2009, com o acidente que lhe tirou os movimentos e a sensibilidade do pescoço para baixo. Ainda no Rio Grande do Norte, Lucas fez uma cirurgia de fixação da vértebra e, um mês depois, iniciou um tratamento no Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek, em Brasília. Uma nova perspectiva de vida começou aí. “Uma coisa que aprendi com meus pais foi sempre agir diante de uma situação ruim e não ficar remoendo aquilo. Foi o que eu fiz. Minha decisão sempre foi seguir em frente. Minha família, meus amigos sempre me deram força. Então, não tinha motivo para esmorecer ”.
Depois de entender o que era a lesão C5 e o que poderia ser feito, ele partiu para o mundo do esporte, algo que já gostava antes mesmo do acidente, quando costumava praticar ciclismo, natação, vôlei e algumas artes marciais. Foi apresentado a um leque de opções dentro do próprio hospital e escolheu o Rugby. “Foi a modalidade que mais mexeu comigo. Acho que porque é bem dinâmico e tira aquele estereótipo de cadeirante coitadinho, o tetraplégico casca de ovo, que não pode encostar senão quebra”.
Hoje, Lucas é atleta da Adeacamp (Associação de Esportes Adaptados de Campinas) e da Seleção Brasileira. O Rugby, então, virou uma profissão. Mas a relação dele com o esporte vai bem além do profissional. É uma relação de vida. Os treinos, estímulos e as necessidades que o esporte impôs foram fundamentais para ajudá-lo a conquistar a independência, que é o desejo de muitos deficientes. “O esporte me ajudou muito a adquirir resistência e força. Por mais que eu ainda tenha vários músculos inativos, os poucos que recuperei consegui adaptar a situações do dia a dia. E o rugby ajudou nisso. Até porque, preciso dessa independência. Na delegação são 12 atletas e 3 ou 4 pessoas para ajudar. Então, você tem que se virar sozinho”.
Não é a toa que adaptação é uma palavra-chave. No caso de Lucas, e de todos os deficientes, tem a ver com qualidade de vida. Ele se lembra que deixou o hospital com uma série de objetos adaptados para facilitar o seu dia a dia (escova de dente, talher, barbeador etc.). Hoje, não usa mais nenhum deles. Resolver o cotidiano, aliás, não é um problema. Lucas dirige um carro adaptado e faz todas as tarefas sozinho. O problema é, muitas vezes, o caminho até um lugar e os ambientes não adaptados para cadeirantes. “A maior dificuldade é a acessibilidade. Em um ambiente acessível eu fico bem tranquilo. Agora, quando não, sempre preciso de ajuda. Eu consigo, por exemplo, pegar o metrô e ir para vários lugares da cidade. Mas não consigo ir da minha casa até o ponto de ônibus que fica a 15 metros do portão. A calçada é ruim, não tem como ir de cadeira de rodas. Então, veja só, por causa de 15 metros eu não consigo atravessar a cidade”.
Ele espera que eventos como os Jogos Paralímpicos tenham mais visibilidade, e assim, a questão da acessibilidade passe a ser cada vez mais primordial. Porque isso faz muita diferença na vida de quem tem algum tipo de deficiência.
Lucas não sabe dizer até onde a evolução do seu quadro pode chegar. Desde o acidente até hoje, ele já teve muitas conquistas. Recuperou a sensibilidade no corpo e parte do movimento dos braços. Não mexe as pernas, os dedos e nem o tríceps. Para quem já ouviu de tudo dos médicos, ele prefere confiar no que o seu corpo diz. “Eu sinto que ainda há coisas a se recuperar. Mas não faço disso uma ansiedade”.
História
Criado em 1977 em Winnipeg, no Canadá, o rugby em cadeira de rodas surgiu por iniciativa de um grupo de atletas tetraplégicos que buscava alternativas ao basquetebol em cadeira de rodas. Foi batizado inicialmente de murderball (algo como “bola assassina”), devido ao impacto brusco entre os jogadores. O nome não pegava muito bem e foi mudado para Wheelchair rugby. O primeiro campeonato internacional aconteceu em 1982, com equipes do Canadá e dos Estados Unidos.
Quatro anos depois veio a estreia do rugby em cadeira de rodas nos Jogos Paralímpicos, em Atlanta 1996, como esporte de exibição. Em Sidney 2000, passou a integrar o programa oficial do evento. No Brasil, o esporte começou a ser praticado em 2008.
O jogo
O rugby em cadeira de rodas é um esporte dinâmico e de muito contato – as batidas são permitidas e, inclusive, encorajadas. O jogo combina elementos do rugby, do basquetebol e do voleibol, sendo disputado por equipes mistas. Os times são formados por quatro titulares e oito reservas, todos tetraplégicos ou com comprometimento nos quatro membros. O objetivo do jogo é acumular o maior número possível de gols. Eles são marcados quando um atleta carrega a bola através da linha de gol. Não há empate.