É com o ânimo de uma criança e o pique de um adolescente que Manoel Jorge Diniz Pereira fala sobre sua paixão pelos discos e antiguidades. Conhecido como Manezinho da Implosão por seu trabalho como engenheiro de minas que tem no currículo a detonação de prédios como o Carandiru e o edifício da TAM, em São Paulo, e os Palaces I e II, no Rio de Janeiro, Jorge também trabalha com a venda de discos em vinil e memorabilia de toda espécie (móveis, objetos, itens de decoração, brinquedos, roupas etc.). Esse segundo ofício surgiu casualmente, quando começou a trabalhar com mobília e objetos antigos, descartados muitas vezes pelos próprios donos que não veem, naquele momento da vida, mais significado para continuar com as tais “tranqueiras” por perto. E é como Jorge gosta de brincar, quando diz que é o “engenheiro que virou tranqueira”, em alusão direta ao filme do cineasta João Batista de Andrade, O Homem que Virou Suco (1979), que em linhas gerais relata as venturas e desventuras de um nordestino na cidade grande.
Mas, diferente do personagem que perde sua identidade, Jorge resgata, com esse revival todo que tem no garimpo de vinis o carro chefe, muito mais do que identidade, mas o gosto pela cultura e arte autênticas (“algumas capas são verdadeiras obras de arte”, comenta), e também proporciona um verdadeiro banho de conhecimentos gerais, pois como diz, “os discos tocam fundo na nossa alma com música de todo tipo, mas também contam histórias, falam de política, do universo infantil, tornando-se verdadeiros retratos de época”, diz mostrando em seu imenso acervo os compactos, joias máximas na coleção de todo aficcionado por música e até por jingles (músicas de campanhas publicitárias), já que só de disquinhos são cerca de 400 mil unidades. “Contabilizamos em nosso acervo de LPs (os bolachões de 12 polegadas), mais de 1 milhão. Tinha exemplares esquecidos até num galpão onde fica guardado o ferramental que utilizo nas demolições”, explica entusiasmado.
E lembra que o disparo nas vendas e na procura pelos vinis na feira de discos que agora funciona em caráter permanente e beneficente, veio depois que Jorge ministrou uma palestra para jovens estudantes de Engenharia que, além de animados com a maquete que montaram para apresentação, sob a orientação direta de Jorge, ficaram apaixonados pelos discos e pelas antiguidades, tanto que um deles acabou virando parceiro na divulgação da feira de discos e colocou o assunto nas redes sociais. “Cada LP é vendido a R$ 5, mas o legal disso tudo é a cultura do vinil ser disseminada entre os mais jovens. Além disso, fazemos uma série de ações sociais como a que premia com 10 discos quem se dispuser a doar sangue”, diz Jorge. E a coisa funciona, inclusive com outras ações, como Campanha do Agasalho e Doe um Brinquedo, todas adotadas pelo engenheiro e que têm trazido resultados expressivos também durante as edições da Feira de Vinil.
As doações são enviadas para entidades beneficentes da região e de outros locais da cidade, bem com para projetos sociais que tenham o jovem como alvo. Aliás, o público diversificado que frequenta as feiras anuais, agora transformadas em semanais, aumentou e muito na faixa abaixo dos 25 anos.
Capital do Vinil
Toda essa energia renovada trouxe de volta a vontade de tirar da gaveta um projeto antigo de centro cultural, que agora atende por Casarão do Vinil. A casa de 600 m2 que pertenceu à família do médico Eulógio Emílio Martinez, bela e imponente na esquina das ruas dos Trilhos e Clark está recebendo até jardim novo para ser “inaugurada” em setembro. A ela, juntam-se os dois galpões, também na Mooca, que formam um sebo de estilo, com antiquário e tudo que a imaginação nossa e desse engenheiro da Mooca possa permitir.
A proposta é simples: lá, a pessoa poderá comprar LPs, compactos, livros e quadros, tomar um café ou simplesmente ouvir seu disco preferido em uma das vitrolas espalhadas pelo ambiente. Mais do que isso, Jorge quer transformar a Mooca na ‘Capital do Vinil’ e já vislumbra um roteiro cultural pelos três espaços do Casarão do Vinil: a sede, na Rua dos Trilhos, que vai comportar cerca de 50 mil vinis, mais organizados e cadastrados, que custarão R$ 30; o galpão na Rua da Mooca, com LPs ao preço único de R$ 10; e o galpão na Rua do Oratório, com LPs a R$ 5.
Para Jorge, que no início dos anos 2000 começou o interesse por antiguidades ao arrematar em um leilão da Avon roupas femininas, de cama, mesa e banho, revitalizar esse projeto antigo de espaço cultural de boa convivência entre as pessoas é mais do que um sonho realizado. Durante todo esse período, ele passou por agruras como a falta de experiência e de dinheiro, além de assaltos constantes e o pior, um sequestro que quase lhe tirou o ânimo pela vida. Por isso, a sensação agora é de dever cumprido.
Sebo Jovem Guarda, Presentes do Passado ou Casarão do Vinil. Não importa o nome que receba, o toque inspirado desse engenheiro é o passo definitivo para que seu acervo, o maior da América Latina no gênero, faça da Mooca a capital do vinil, e diria mais, do bom gosto, da cultura e do prazer renovado em colecionar, pura e simplesmente.
E para quem pensa que os sonhos e projetos do “caçador de relíquias” Jorge param por aqui, engana-se. Além do Casarão de Vinil e o Feirão semanal de discos, Jorge possui uma pousada temática no interior de São Paulo e está estruturando um site que ele pretende que seja o maior do mundo. Quer ainda montar minimuseus do disco nas principais cidades brasileiras e, como fôlego é o que não falta, o maior de todos os sonhos, chamado “O João Gilberto vivia me ligando”, que visa resgatar a história de todos aqueles cantores ou conjuntos que tiveram no compacto sua primeira e única participação na história da música brasileira.
Salve, Jorge!
Casarão do Vinil
Sede: Rua dos Trilhos, 1.212 – Galpão 1: Rua da Mooca, 3.401 – Galpão 2: Rua do Oratório, 273 – Tel.: 2737 0155 / 2737 0755 – Facebook: Feirão 1 milhão de LPs