Os laboratórios reclamam da acomodação dos veterinários e os médicos dizem que, mesmo com a grande demanda, muitas indústrias não produzem os remédios específicos. Mas o fato é que os animais de estimação estão sendo medicados com remédios feitos para humanos. Na maioria das vezes, isso acontece porque a indústria veterinária não acha vantajoso investir na produção desse medicamento, dizendo que não há grande interesse por parte dos veterinários. O Lhasa Apso Jack é um bom exemplo de um animal medicado com produtos para humanos pela falta de um similar para sua espécie. Depois de ter sido operado nas duas vistas por causa de catarata, seu médico, o veterinário tatuapeense Felipe Antônio Mendes Vicenti – diplomado pelo Colégio Latino-Americano de Oftalmologistas Veterinários – receitou o uso de dois colírios e um antiinflamatório da linha humana. A proprietária de Jack não estranhou o fato. “Se usam animais em pesquisa para saber se remédios ou cosméticos vão fazer mal às pessoas, por que meu cachorrinho não pode tomar um remédio para gente?”, pergunta a moradora da Vila Granada, Maria Aparecida Cavalcante Silva, que não teve a menor dificuldade de ir até uma farmácia comum e comprar os remédios com uma receita prescrita pelo veterinário. Vale lembrar que Jack não fez parte de uma pesquisa veterinária e o uso desses remédios da linha humana são seguros para animais e inclusive citados na literatura veterinária.
Sem querer levantar muita polêmica, o diretor-executivo da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), o também veterinário Walter Figueira, diz que não vê problema nessa prática, pois muitos dos medicamentos humanos realmente não fazem mal aos animais. O que ele contesta é a posição dos veterinários em ignorar os medicamentos específicos para pets. “É uma certa rotina dos médicos em geral, não só dos veterinários, que se acostumam com um receituário e com aquele costume de prescrição. Nós queremos alertar e chamar a atenção dos veterinários para a existência de uma grande indústria farmacêutica veterinária que produz medicamentos específicos na dosagem, na posologia e na bula feitas especialmente para animais. Enquanto a linha humana é feita apenas para uma espécie – o homem – a linha veterinária é feita para vários animais.”
Informações privilegiadas
Apesar de concordar com o diretor da Alanac, Dr. Felipe Vicenti afirma que muitos veterinários não têm acesso às informações sobre os produtos novos e, muitas vezes, os remédios da linha humana são mais baratos que os feitos especialmente para animais. “Não sou resistente ao uso de medicamentos veterinários. Sempre uso remédios veterinários quando estão disponíveis no mercado, são fáceis de encontrar e o custo é acessível. Eu apoio as iniciativas da indústria veterinária porque trazem benefícios aos animais.”, observa o veterinário responsável pela Clínica Tatu Pet Shop.
A Alanac admite que muitos remédios especiais, como os medicamentos controlados, antidepressivos, ansiolíticos e até da linha oncológica não são fabricados pela indústria veterinária. “Mas, em compensação, todos os laboratórios produzem vermífugos, e tem muito veterinário com a mania de receitar vermífugo de humano para filhotes. Não é só uma situação comercial. Existe uma indústria que se adaptou ao mercado, então a gente tem que valorizar isso e usar em benefício dos animais”, reclama o diretor-executivo.
O veterinário do Tatu Pet Shop diz que receita remédios humanos apenas quando não existem similares na linha veterinária ou quando os medicamentos veterinários são muito caros e difíceis de encontrar. Dentre os medicamentos prescritos encontram-se protetores gástricos, anti-eméticos, anti-sépticos tópicos, antibióticos tópicos e sistêmicos, colírios e pomadas oftálmicas da linha humana para seus pacientes. “A apresentação pediátrica é útil para filhotes, gatos ou cães de raças miniaturas. Já a apresentação para humanos adultos é útil para cães de raças grandes e gigantes”.
Porém, isso não quer dizer que qualquer remédio humano pode ser usado nos animais de companhia desde que haja adequação da posologia ao tamanho do pet. Ao contrário disso, os proprietários que medicam por conta própria com remédios para humanos podem causar um mal ainda maior para os cães e gatos. Os remédios mais usados e perigosos são ácido acetilsalicílico (Aspirina) e diclofenaco (como Voltaren e Cataflan). “Principalmente os proprietários de animais com menor poder aquisitivo, na tentativa de evitar a consulta ao veterinário, acabam dando seus próprios remédios para os animais. Mas o que eles não sabem é que há medicamentos da linha humana que causam graves efeitos colaterais. Os problemas mais comuns são causados pelo uso de antiinflamatórios (principalmente o diclofenaco), que podem causar úlceras gástricas graves e, em casos extremos, levar à morte do animal”, esclarece Felipe. Nesse ponto o diretor executivo da Alanac tem a mesma opinião que o veterinário do Tatuapé.
Ele afirma que é muito comum as pessoas terem em casa remédios e, em uma emergência, acharem que não há problemas em dá-los para o animalzinho. “Mas o mal causado pode ser irreversível. Por isso queremos criar uma cultura de usar medicamento veterinário, para acabar com essa medicação indevida”, alerta Walter Figueira.