Protagonista definitivo e, há exatos 40 anos, um dos atores mais disputados da Globo, Tony Ramos impressiona com sua empolgação a cada novo trabalho. “No dia em que eu tratar a atuação como qualquer coisa, é sinal de que é hora de me aposentar. E acredito que isso esteja bem longe de acontecer”, brinca. Ao que tudo indica parece estar longe mesmo. Sempre que acaba um trabalho, Tony já está planejando o próximo. Aos 69 anos e com toda a gama de personagens já vividos sob o olhar do público, o ator ressurge totalmente denso e complexo na pele do moralista José Augusto de “Tempo de Amar”. “Esse personagem é um grande teste para mim. Preciso esquecer todo o meu raciocínio moderno para entendê-lo. Só assim, consigo interpretá-lo com o realismo necessário”, analisa.
Paranaense da pequena Arapongas, Tony passou parte da juventude no interior de São Paulo, onde teve suas primeiras impressões com o cinema e virou fã dos filmes de Oscarito. Aos 16 anos, disposto a seguir a carreira de ator, resolveu se mudar para a capital, onde logo encontrou abrigo em pequenos grupos de teatro amador. Entre os anos 1960 e 1970, trabalhou de forma ininterrupta em novelas e programas da extinta Tupi. Em 1977, transferiu-se para a Globo e, consequentemente, para o Rio de Janeiro, onde está até hoje. Na lista de sucessos estão tramas como “O Astro”, “Pai Herói”, “Baila Comigo”, “Rainha da Sucata”, “A Próxima Vítima” e “Belíssima”. Apesar de ter se tornado um dos símbolos do herói romântico, Tony comprova a cada novo personagem merecedor do posto de unanimidade no meio artístico e da crítica.
“Nunca tive crises, mas soube adaptar o meu trabalho a cada fase da minha vida. Acho que soube manter uma boa relação com a tevê e isso é muito especial”, conclui.
Seu último trabalho em novelas de época e na faixa das seis foi em “Cabocla”, de 2004. Como é voltar a esse tipo de produção?
É sempre uma delícia. Pela qualidade do texto e temática histórica, o horário é muito cobiçado dentro da emissora. Sou um apaixonado pela escrita e pela língua portuguesa e acho que ter uma novela como “Tempo de Amar” sendo veiculada com boa repercussão é uma vitória imensa. Ao mesmo tempo, atores ganham bons personagens, diretores têm cenas grandiosas para realizar e autores conseguem fazer com que o público viagem no tempo através de uma boa história, sem firulas. Sinto fazer televisão como antigamente.
Como assim?
Adoro fazer produções mais contemporâneas, mas tudo é realizado de forma menos orgânica, com muitos efeitos e pós-produção. Em “Tempo de Amar”, o texto e a atuação são as grandes estrelas. É claro que o Jayme (Monjardim, diretor) fez escolhas técnicas maravilhosas e que garantem uma beleza plástica única, mas é na história que está a força de todo o trabalho. As novelas que fiz na saudosa Tupi e no início da Globo tinham essa característica também.
Em 2017 você completou 40 anos de Globo. Quais suas principais lembranças sobre o início do trabalho na emissora?
A Tupi, infelizmente, estava em total decadência. Vim para a Globo a convite do Daniel Filho e para fazer “Espelho Mágico”, uma trama cheia de ousadia que falava sobre os bastidores da tevê. A novela foi um grande fracasso e eu comecei a achar que era pé-frio (risos). Enquanto o folhetim ainda estava no ar, Daniel me convidou para fazer parte do processo de testes com atrizes para o elenco de “O Astro”. Eu faria um personagem pequeno na novela e, por conta desses testes, acabei interpretando o Márcio Hayala.
A cena em que o Marcio renega a riqueza e deixa a mansão da família completamente nu nasceu clássica e repercute até hoje. O que essa sequência representa para sua carreira?
Coragem e liberdade artística. Em tempos de censura pesada, a cena fez um grande estardalhaço. Os militares só deixaram passar por conta da excelente justificativa da Janete (Clair, autora), que comparou a trajetória do personagem com a de São Francisco de Assis. A inspiração era real mesmo. Marcio me deu outra visão da carreira. Eu já tinha feito algumas novelas de muito sucesso, mas “O Astro” parou o país. A partir daí, fui sendo chamado para personagens cada vez mais instigantes.
Foi nesse período que você começou a fazer muitos galãs em tramas como “Pai Herói” e “Chega Mais”. Você acha que esse posto em algum momento o limitou como ator?
Um pouco. Fiz protagonistas bem diferentes, mas é claro que a trajetória do herói romântico esteve presente entre eles, os folhetins se alimentam desses arquétipos. Mas, aos poucos, fui mostrando que eu também queria fazer outras coisas. Quando consegui o papel na minissérie “Grande Sertão: Veredas” vi que as portas ficaram mais abertas e autores e diretores passaram a me chamar para tipos mais variados. É assim até hoje.
Recentemente, você viveu um misterioso fugitivo em “A Regra do Jogo”, interpretou o próprio Diabo na série “Vade Retro” e agora dá vida a um homem moralista e prepotente dos anos 1920. O que um personagem precisa ter para o encantar?
Uma boa equipe e um texto que me alimente como ator. Não sou de fazer “laboratório”. Respeito quem segue por um caminho de vivências, mas não é o meu método de trabalho. Não fui a presídios buscar inspiração para “A Regra do Jogo”, foquei apenas no texto e em todas as sinalizações do autor e da direção. Atores já vêm com todos os personagens dentro de si, basta estar atento ao que é necessário para o momento.
A tevê vive um momento de renovação de autores, diretores e elenco. Como você avalia a produção atual de folhetins?
A todo mundo surge alguém depreciando as novelas e dizendo que elas já não tem mais qualquer relevância. Aí vem Glória (Perez, autora) com um sucesso como “A Força do Querer” e mostra o poder de fogo de um gênero que faz parte da identidade cultural do nosso país. Acho que a Globo tem se preparado bem para se renovar. A presença do Silvio de Abreu na direção de teledramaturgia é um dos fatores de sucesso dessa transição. Em vez de colocar um executivo engravatado que entende de números, a emissora escalou um cara que sabe tudo de teledramaturgia para comandar o setor.
Você completa 70 anos neste ano. Como você encara envelhecer à frente da tevê?
Felizmente, sei que ainda há bons papéis de avôs e bisavôs e que as histórias precisam de pessoas nessa idade. Meu contrato com a Globo segue ativo e convites surgem a todo o momento. Não tenho planos de aposentadoria em curto prazo. Então, acho que o público ainda vai me ver bastante por aí (risos).
À moda antiga
A forte conexão de Tony Ramos com a figura do galã romântico surgiu a partir de personagens pontuais. Nos anos 1970, Tony já era um nome forte dentro da Tupi quando a emissora entrou em falência e seu passe foi comprado pela Globo. E logo nos primeiros anos na nova emissora, ele foi se destacando a partir de tramas como “O Astro”, onde protagonizou a primeira cena de nu masculino da televisão, e “Pai Herói”. “Tive a honra e a sorte de ter a Janete Clair como autora dos meus primeiros papéis de sucesso na Globo. Era um momento delicado da minha carreira e ajudou a colocar as coisas nos eixos”, conta.
A figura de Tony Ramos como galã cresceu nos anos 1980 com sucessos como “Baila Comigo” e “Bebê a Bordo”. E foi apenas se consolidando na década seguinte. O “appeal” do ator no posto resistiu bravamente, inclusive, ao longo dos anos 2000, em folhetins como “Belíssima” e “Passione”. Mas, o ator confia na sua sucessão, com jovens talentos. “A tevê voltou a se interessar pelo talento. Por muitos anos, a beleza foi uma grande porta de entrada. Agora, vejo jovens preocupados com disciplina e repertório e não apenas em aparecer nas capas de revista. Acho que vem uma geração muito boa por aí”, ressalta.
Sutis vilanias
Por conta de tantos papéis de mocinho, o público ainda se choca ao ver Tony Ramos interpretando tipos mais controversos. A primeira experiência do ator como um anti-herói foi em “Torre de Babel”, de 1998, onde deu vida ao ex-presidiário Clementino. Ao longo dos últimos anos, Tony voltou a flertar com personagens que o tiraram do lugar-comum, como o Reinaldo, político corrupto de “A Mulher do Prefeito”, o inescrupuloso Braga de “O Rebu”, o fugitivo Zé Maria de “A Regra do Jogo” e, em especial, o diabólico Abel Zebul do seriado “Vade Retro”. “Adoro brincar com essa imagem que o público tem sobre mim.
Envelhecer tem me permitido ousar mais nos personagens e é por esse caminho que quero seguir”, entrega.