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Alcione Albanesi, presidente da ONG Amigos do Bem, quer ver a fome e a miséria do sertão nordestino serem lembradas apenas como fatos históricos

Foi inspirada por sua mãe, Guiomar de Oliveira Albanesi, presidente do Centro Espírita Perseverança, que a empresária Alcione Albanesi deu seus primeiros passos na missão de ajudar a população do semiárido nordestino, que sofre com a fome e a falta de oportunidade. A viagem de 1993 para o sertão com um grupo de amigos para entregar roupas, cestas básicas, brinquedos, remédios e oferecer atendimento médico e odontológico à população carente foi o começo de uma empreitada que se transformou em um projeto de vida. Hoje, a ONG presidida por Alcione, a Amigos do Bem, cuja sede fica na Zona Leste, atende mais de 60 mil pessoas por meio de projetos nas áreas de educação, trabalho, saúde e infraestrutura. A ideia é oferecer toda a estrutura e conhecimento para que as pessoas atendidas possam, efetivamente, mudar de vida. A ONG já construiu quatro Cidades do Bem em 3 estados (Pernambuco, Alagoas e Ceará), que funcionam como grandes centros nos quais os principais projetos são desenvolvidos. Entre esses projetos estão as plantações de caju e pimenta; a fábrica de beneficiamento de castanhas; a produção de doces e de artesanato. “Queremos promover uma mudança efetiva na vida das pessoas. Com o trabalho, descobrimos que aquelas pessoas não tinham só fome. Elas precisavam de perspectiva de um futuro melhor. No sertão nordestino, gerações inteiras vivem em situações de miséria extrema e é preciso a intervenção humana para mudar essa realidade. O nosso objetivo é fazer com que, no futuro, a fome e a miséria de lá sejam lembradas apenas como fatos históricos”, diz Alcione.

Desde 2014, quando vendeu a maior parte da sua empresa de lâmpadas (a FLC), Alcione dedica todo o seu tempo a esse trabalho, seja na sede da ONG, em São Paulo, ou no meio do sertão, onde passa cerca de 15 dias por mês, acompanhando de perto os projetos. Há cinco meses, um curto circuito causou um incêndio no galpão de Pernambuco, onde ficava o material de trabalho, doações, cestas básicas, castanhas prontas para seguir para o beneficiamento etc. O prejuízo foi grande e agora, eles trabalham intensamente na reconstrução de tudo, e precisam da ajuda de todos com doações em dinheiro.
Nesta entrevista, Alcione fala sobre os desafios e os frutos deste trabalho, que ela encara como uma missão.

Como foi o incêndio no galpão de Pernambuco? Como você recebeu a notícia?

Eu estava no sertão quando ocorreu o incêndio, que foi causado por um curto circuito na rede elétrica do galpão. Assim que o fogo começou, chamamos os bombeiros e o primeiro carro levou cerca de 2 horas para chegar devido às condições das estradas e da distância até o local. Até a chegada dos bombeiros, nós que estávamos presentes, os moradores e voluntários, fizemos tudo para tentar amenizar o fogo. O primeiro sentimento foi de desespero e de profunda tristeza. Mas, como eu sempre falo, “Vai dar tudo certo”, precisamos seguir em frente, confiantes. Para realizar este trabalho já enfrentamos muitos desafios. As dificuldades são diárias. Hoje estamos realizando uma campanha com o mote “Do incêndio em nosso galpão só restou a esperança”…de fato, perdemos muita coisa, mas não a esperança e os amigos, que sempre estão ao nosso lado.

O incêndio que destruiu o galpão da ONG e Pernambuco e causou um grande prejuízo a todos os projetos

O que se perdeu?

Os Amigos do Bem armazenavam nos galpões 32 mil cestas básicas, 65 mil brinquedos, 1.200 bicicletas, além de outros itens como roupas, calçados, materiais eletrônicos e pedagógicos, ferramentas e maquinários. Uma área de mais de 2.000m2 foi destruída pelo fogo, colocando dificuldades adicionais ao trabalho assistencial. O galpão também armazenava todo o estoque de castanhas que seriam beneficiadas para a comercialização em São Paulo. Além disso, os galpões serviam de centro de distribuição para as regiões de outros estados atendidas pelo projeto.

De que forma esse incêndio atrapalha os projetos em andamento?

O incêndio afetou diretamente os 4 pilares em que se apoiam nossos projetos: infraestrutura, saúde, trabalho e educação. Além da estrutura física, que foi destruída, tínhamos alimentos que seriam distribuídos e tivemos de realizar arrecadações emergenciais para continuar auxiliando as famílias. Recentemente, tivemos de parar a produção de nossa fábrica de beneficiamento de caju, pois toda matéria-prima de um ano de trabalho queimou. Trabalhadores tiveram que voltar para suas casas sem perspectiva de retorno ao trabalho. Também afetou de forma indireta o ano letivo das crianças, com a perda parcial de materiais escolares. Todo material de manutenção do projeto estava ali. Havíamos acabado de receber mobiliários para dezenas de casas que seriam entregues, além de um centro odontológico, que seria instalado no dia seguinte ao ocorrido.

E o que esté sendo feito agora?

Neste momento, não temos onde armazenar as doações, pois o galpão foi destruído. Por isso, estamos aceitando doações em dinheiro para que possamos reconstruir o galpão e comprar alimentos em locais próximos às comunidades que antedemos. Desta forma, evitamos a necessidade de armazenamento e frete de São Paulo até o sertão, que acabam custando muito mais.

Qual a importância da Amigos do Bem?

Nosso projeto não é apenas assistencial, mas de transformação. Promovemos o trabalho para que o ser humano gere a sua sustentabilidade e preparamos a criança para que tenha condições de se preparar para o futuro. Todos os meses, saímos de nossas casas em São Paulo rumo às terras secas do sertão não apenas para levar uma cesta básica, mas para mudar a vida deles. Estamos quebrando um ciclo secular de miséria, algo que começou com seus antepassados. Somos motivados pelo resultado na vida de cada um.

Mulheres trabalhando com artesanato
Fábrica de beneficiamento de castanhas

Quais são os frutos que vocês já colheram?

Os frutos do nosso trabalho são visíveis através da transformação das famílias atendidas. Crianças que antes corriam ariscas e com medo, hoje cantam, dançam, falam inglês, sonham e já vislumbram um futuro diferente. Temos jovens cursando ensino superior. Todos são trabalhadores e muito gratos aos Amigos do Bem. Após o incêndio, por exemplo, as mães dos vilarejos se reuniram para fazer a arrecadação em prol do projeto, fizeram artesanatos e venderam para conseguir algum recurso. Moeda por moeda, somaram um cofre de R$ 1.500, que foi destinado às obras do galpão. Crianças que cresceram em nossas Cidades do Bem já se tornaram os multiplicadores do trabalho. Lá também desenvolvemos a solidariedade. Muitos são voluntários nas distribuições, cantam com as crianças, colaboram e representam um trabalho que começou aqui em São Paulo. Isto intensifica a esperança de que o projeto irá sempre continuar.

O que o projeto já conseguiu mudar e o que ainda falta?

Nosso objetivo é gerar renda, sustentabilidade e educação. Queremos acabar com o analfabetismo e fazer com que esses jovens possam ir para a faculdade. Tenho certeza de que veremos grandes executivos do nosso País saindo dos centros de transformação dos Amigos do Bem. Eles podem ainda morar numa casa de barro ou dormir no chão, mas terão oportunidade de construir seus futuros. Falam que não se pode dar o peixe, é preciso ensinar a pescar. Só que em rio seco não se pesca. Você tem de dar as condições para que pesquem e é isso que estamos fazendo. Muito já foi conquistado, mas estamos apenas no começo de nossa caminhada. Precisamos fazer muito mais. Nosso trabalho não é apenas buscar a eficiência, mas o compromisso de amor e o propósito de fazer sempre mais e melhor.

Centro de Transformação de Pernambuco, onde há diversos projetos na área de educação
Cidades do Bem, onde vivem mais de 3 mil pessoas

Hoje você se dedica integralmente a ONG?

Sim. Há oito anos, já dedicava 10 dias, todos os meses, ao meu projeto social no sertão. Na época, deixava meus quatro filhos e minha empresa, sem sócio, para cuidar das famílias atendidas, pois este trabalho é corpo a corpo e o ingrediente é o amor. Em 2014, tomei a decisão mais difícil da minha vida. Vendi a maior parte de minha empresa de lâmpadas – líder no mercado nacional -, para me dedicar exclusivamente aos Amigos do Bem. Existem muitas pessoas para cuidar de negócios e poucas para cuidar de pessoas carentes. Tomei esta decisão e hoje sigo com a convicção de que precisamos deixar uma semente plantada no país que nos recebeu.

De que forma a sua experiência como empreendedora ajuda no trabalho social?

O empreendedor nasce com um dom de transformar e realizar. Acredito que devemos usar este dom em benefício de todos, como um recurso social transformador. Hoje somos em mais de 5 mil voluntários. Este trabalho só é possível através dessas milhares de mãos silenciosas. Busco potencializar o melhor de cada voluntário, fazendo com que se sintam parte desta grande corrente de transformação, mostrando a importância de cada um para o resultado do trabalho. Além disso, para se manter um projeto como este, é necessário estruturar processos, desenvolver pesquisas aprofundadas sobre diversos assuntos, desde agronomia, agricultura e engenharia – para a construção de cidades e de poços artesianos -, até estudos pedagógicos, para desenvolver uma metodologia que se ajuste ao contexto de nossas crianças no sertão. Precisamos ser eficientes e comprometidos com os recursos que chegam até nós, a fim de que possamos destiná-los, de forma ética e responsável, aos projetos em andamento.

De que forma sua mãe, Guiomar Albanesi, influenciou essa sua necessidade de ajudar o próximo, esse traço da sua personalidade?

Tudo começou com minha mãe, Guiomar de Oliveira Albanesi, que dirige 11 creches em São Paulo. Os pais das crianças das creches, que moram na periferia e são pobres, costumavam dizer que miséria existia mesmo no sertão. Eles diziam: “Aqui, a gente é pobre, mas tem comida, têm as feiras livres. Se você pedir um pão, um prato de comida na padaria, alguém lhe dá. Mas lá não tem nada para pedir para ninguém”. Isto me incentivou a fazer a minha primeira viagem ao sertão. Sempre falo que o Bem se ensina e eu aprendi com minha mãe, a minha grande árvore do Bem e o meu exemplo.

Como ajudar
– Através do site as pessoas podem doar ou fazer sua adesão ao projeto por meio de contribuições mensais nos valores de R$ 30, R$ 50, R$ 100 ou outros valores.
– Produtos como doces, pimentas e artesanatos podem ser comprados no Empório Amigos do Bem, que fica na Rua Padre Mauricio, 300, Vila Diva.
– Telefone para informações: 3019-0100

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