Oásis urbano 0 5173

Conheça um pouco da história do Parque do Piqueri, que foi chácara da família Matarazzo e poderia ter sido uma usina de leite ou um conjunto de prédios, mas, felizmente, virou uma importante área verde da região

Beirando a marginal Tietê e no começo de uma das principais ruas do Tatuapé – a Tuiuti – fica o Parque do Piqueri. São 97 mil m2 de uma área verde, fresca e até silenciosa. Lá dentro, por mais que se ouça o barulho incessante da marginal, há pontos de silêncio. A temperatura é agradável e chega a ser até três graus abaixo da média na cidade.

Diferente do Ceret, que tem um perfil mais esportivo e, até por isso, é ligado à Secretaria de Esportes, o Piqueri faz parte da Secretaria do Verde e Meio Ambiente e tem mais cara de “mato”. Os caminhos não são asfaltados, a vegetação é mais fechada e condensada e não há tantos equipamentos esportivos (três quadras, aparelhos de ginástica, cancha de bocha, playground e ponto de leitura). É um lugar muito mais contemplativo.

A história desse parque começou na época em que o Tatuapé era um bairro rural, com a paisagem dominada por chácaras que abasteciam a cidade de São Paulo de frutas e verduras. Essa foi a região escolhida pelo Conde Francesco Matarazzo, na época já um dos maiores empresários do País, para comprar um terreno no qual pudesse instalar sua casa de campo, chamada de Chácara do Tatuapé, onde poderia criar seus bichos, ter plantações e passar momentos agradáveis com a família. O terreno que ele comprou em 1927 ocupava o espaço onde hoje está o parque e um pouco mais: tinha 250 mil m2. A Rua Tuiuti já existia e a entrada da chácara ficava exatamente no mesmo lugar onde é a entrada do parque. Porém, os limites do terreno iam até a Rua Ururaí, conforme descrito no testamento em que o Conde deixa a chácara de herança para o filho Chiquinho. O Rio Tietê, que na época ainda seguia um traçado sinuoso, adentrava a propriedade como se pode ver em mapas da época. Por isso havia um ancoradouro de barcos na chácara, do qual restaram algumas ruínas que ainda estão lá, como testemunhas da história.

Horta na Chácara do Tatuapé (Foto de 1935)
Mansão da chácara Matarazzo, que foi demolida (Foto de 1935)

Nas décadas de 1930 e 1940, local era uma atração no bairro, já que a família costumava fazer festas e receber personalidades e políticos. Os funcionários da Tinturaria e Estamparia Fernandes, que ficava na Rua Tuiuti, bem em frente à chácara, costumavam observar pelos janelões do piso superior a movimentação por lá. As crianças gostavam de subir no muro para espiar as criações: havia cavalos argentinos, búfalos americanos, pôneis e vacas.

A mansão da família foi demolida, mas registros de satélite mostram que ficava exatamente onde hoje está o Ponto de Leitura. Da entrada, se chegava até ela por uma alameda arborizada, muito provavelmente já cercada pelas Sibipirunas que ainda margeiam o caminho. Segundo a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, quando a área foi recebida pela prefeitura, a vegetação existente na antiga chácara foi mantida e se encontra preservada. A vegetação do parque é, hoje, muito mais densa do que na época em que os Matarazzo viviam no local e pode ser considerada uma mescla do que já havia no terreno com exemplares que foram plantados posteriormente.

Casa onde funciona a administração do parque, tombada pelo Patrimônio Histórico
Ruínas de um ancoradouro que existia na propriedade da família Matarazzo

Tensão

A área hoje ocupada pelo parque ficou bem perto de ter outra destinação. Ainda na década de 1950, tudo indica que a família Matarazzo vendeu parte do terreno. Mas o imbróglio sobre como aquela área restante seria utilizada se deu mesmo nos anos 1960 e 1970. Ao que tudo indica, ela foi vendida pela família Matarazzo para a Cooperativa Central de Laticínios do Estado de S. Paulo (Leite Paulista) no final da década de 1960. A ideia era fazer uma usina de beneficiamento de leite no local, porém o projeto não foi aprovado e a área foi declarada de utilidade pública em 1971, o que é um primeiro passo antes da desapropriação. Fechado e sem uso porque estava congelado pela administração municipal, o terreno foi alvo de muitas depredações, principalmente queimadas, que acabaram por destruir uma parte da vegetação original.

Portão principal do parque, que foi retirado do Jardim da Luz em 1930 e instalado no parque em 1978.

Em 1974, outra polêmica começou. O então prefeito Miguel Colassuono descongelou áreas verdes da cidade, inclusive a Chácara do Tatuapé, e começou-se uma especulação imobiliária. Reportagens da época falam sobre o projeto de construção de um conjunto comercial e residencial no local. Seria um edifício de 25 andares com 8 apartamentos por andar. Havia uma restrição pela qual a construção não deveria ocupar mais de 25% da área e não se poderia derrubar mais de 10% da vegetação. Moradores do local e políticos ligados ao bairro não aceitaram essa ideia e questionaram a prefeitura. Em 1975, o prefeito eleito Olavo Setúbal manteve a área congelada e, em 1976, o local foi desapropriado. O parque foi inaugurado em abril de 1978, com a bandeira de ser uma das poucas áreas verdes na Zona Leste de São Paulo e um local fundamental para o lazer de um bairro operário. Na época, o Tatuapé possuía grandes fábricas (mais de 200 indústrias passaram pelo bairro) e tinha um dos mais baixos índices de áreas verdes da cidade.

De lá para cá, o Parque do Piqueri se firmou como uma importante área de lazer da região. Durante a semana, é muito frequentado por moradores, que praticam atividade física no local e levam as crianças para brincar nos playgrounds da área. Aos finais de semana, o público fica mais diversificado e pessoas de outros pontos da cidade também ocupam as alamedas do parque. Seria uma grande perda para a Zona Leste se aquela área tivesse sido destinada a outros fins. Até porque, as áreas verdes são cada vez mais escassas na cidade e, de lá para cá, apenas o Parque Sabesp, na Mooca, foi inaugurado na região. O local é um refúgio, um oásis no meio de um bairro que não para de crescer.

Curiosidades

Tombamento

Em 2008 foi aberto um processo de tombamento do ambiente urbano, constituído pelo parque e áreas adjacentes. Tal processo encontra-se em tramitação na Secretaria Municipal de Cultura/CONPRESP.

Enchente

Em 27 de janeiro de 1987, os jornais noticiaram uma grande enchente que alagou as marginais e castigou as zonas Norte e Leste. Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo conta que algumas pessoas procuraram socorro, “vejam só”, nas árvores do Parque do Piqueri. “O Parque do Piqueri foi outro local seguro procurado por grande parte dos passageiros de um dos ônibus da empresa Itapemirim. Eles mergulharam, às 11h30, nas águas que cobriam a pista esquerda da marginal e nadaram até o muro do parque. Agarrados nos troncos das árvores, conseguiram também liberar uma das mãos para pedir que os helicópteros da polícia ou de empresas particulares os salvassem”.

Trilhas Urbanas

Quem quiser conhecer o parque em uma visita monitorada pode participar do programa Trilhas Urbanas, uma caminhada de cerca de duas horas ao longo do parque, com paradas em pontos estratégicos e informações sobre aspectos geográficos, históricos, culturais, da fauna, flora e temas socioambientais. Informações e agendamentos podem ser feitos pelo e-mail vtvalentini@prefeitura.sp.gov.br

Portão

O portão principal do parque – onde se vê gravado o ano de 1901 – veio direto do Jardim da Luz para o Tatuapé. Ele ficava na esquina das ruas Prates com Mauá e José Paulino e foi retirado em 1930. Mais de 40 anos depois da remoção, foi reinstalado no parque do Piqueri.

Casa do administrador

A casa onde funciona a administração do parque é a única construção da época da família Matarazzo que sobrou. O imóvel era a residência do administrador da chácara, o italiano Saulo Carpinelli, e foi tombado pelo Patrimônio Histórico.

Parque do Piqueri:
Rua Tuiuti, 515. Tel.: 2097-2213

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