Tradição ou modernidade? 0 6957

Projeto milionário para transformar o estádio do Juventus em uma arena multiuso tem gerado muitas discussões entre os amantes do futebol juventino

Já está provado: o Juventus, mais do que um clube de bairro que engloba uma sede social e um time de futebol com sede própria, é uma questão de pura paixão. Paixão esta que ultrapassa os limites da razão. Afinal, foi no estádio da Javari que o Rei Pelé marcou seu gol mais bonito, reconhecido por ele próprio, e foi lá o celeiro de grandes craques do futebol nacional, o que já seria motivo de sobra para causar o furor que o simples mencionar do nome Juventus provoca em seus aficcionados e na torcida grená.

E seu atual presidente, Rodolfo Antonio Cetertick, há um ano à frente do clube, sabe bem disso. Nascido em Bocaina, cidadezinha interiorana próxima a Jaú, Rodolfo Cetertick veio para a Mooca com apenas dois anos de idade para morar na Rua Tabajaras, e nunca mais saiu do bairro. Com seu jeito italianado, expansivo e alegre, bem ao estilo mooquense, não se intimida nem diante de tanta polêmica que os apaixonados pelo Juventus levantam o tempo todo. A mais recente tem a ver com o anúncio de um projeto orçado em cerca de R$ 200 milhões, que envolve a criação de uma arena multiuso no estádio da Javari, dentro do chamado padrão Fifa, e a construção de um hotel quatro estrelas com um centro de convenções e a ampliação do hoje já tímido salão de eventos, na sede social, localizada entre as ruas Comendador Roberto Ugolini e Juventus. Todos, endereços que são referência no bairro da Mooca, portanto bastante cobiçados. “O aluguel do salão é hoje a nossa maior receita, mas já está na hora de melhorar as condições da sede social e do próprio estádio”, comenta Cetertick.

Perguntado se conhece o processo de tombamento em estudo no Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), o presidente disse categoricamente: “estamos em fase de projeto, aliás, de pré-projeto, e todos os órgãos responsáveis estão sendo consultados, inclusive o de preservação. Temos uma dificuldade muito grande para realizar determinados eventos no clube por conta das instalações ultrapassadas, sem contar o estádio, onde não é possível realizar jogos noturnos por falta de iluminação, porque precisamos urgentemente de um gerador e de cabine primária, e hoje isso é impossível, dadas as condições atuais da estrutura do estádio”, explica.

Enquanto vai lançando a ideia e os pré-projetos, até para colocar de vez o Juventus, enquanto time, no cenário do mundo futebolístico, quem não vibra muito com a notícia são os torcedores. Conhecidos por seus apelos irreverentes, esses jovens torcedores, a despeito de terem entre 18 e 30 anos, em média, são bem tradicionalistas e não querem ver o clube se descaracterizar.

“Na minha opinião, a construção da arena Javari é um elefante branco, além de ferir a tradição do estádio que se mantém com o charme das décadas passadas. A Javari atualmente recebe em média mil torcedores por partida, sendo que grande parte é habitueiro. Essa construção só traria desgaste para o clube e para a vizinhança, que praticamente ‘venderia’ o estádio para interesses privados, sem retorno para a marca. O argumento de que eles estariam querendo usar o estádio para a Copa é descabido, pois temos somente um ano para o evento. O Juventus precisa investir em bons jogadores e na base do clube, para voltar a atuar entre os grandes”. Essa é a opinião de Felipe Alexandrino, 26, bibliotecário e entusiasta do patrimônio do bairro, onde viveu durante 12 anos e nasceu, além de torcedor assíduo dos jogos na Javari.

É o que pensa a torcida juventina, capitaneada por Fernando Toro, presidente da torcida ‘Forza Juve’ e grande entusiasta de deixar tudo como está. Tanto que já nas últimas partidas do Moleque Travesso, nome como carinhosamente o Juventus é conhecido, os torcedores ostentam uma faixa com os seguintes dizeres: “Ódio eterno ao futebol moderno”, pregando um ideário que mantenha imaculado o estádio Conde Rodolfo Crespi, para que ali sobreviva o último respiro do futebol romântico na capital paulista.

Da várzea para as grandes arenas

A Mooca, com certeza, foi um nascedouro inconteste de times de várzea, assim chamados por conta das partidas, no começo, serem realizadas em áreas de várzea, como a Várzea do Carmo (próxima ao Rio Tamanduateí, portanto terrenos planos e baixos, encharcados pelas constantes cheias dos rios, que margeavam córregos e ribeirões), e a própria Mooca, nos diversos campinhos que cercavam a região.

Torcida juventina em dia de jogo na Rua Javari: boa parte dos torcedores não concorda com o projeto

Além dos clubes independentes, o futebol amador de São Paulo contava com agremiações que representavam empresas industriais e comerciais. Eram os times de fábrica ou classistas, como ficaram conhecidos, por estarem vinculados a “classes” específicas de trabalhadores. Da lista extensa constam nomes como: São Paulo Alpargatas, Clark, Máquinas Piratininga Futebol Clube, Electrolux, Esso Clube, Johnson Clube do Brasil, Colchoaria Progresso, Pingüim e ARCA (ambos da Antarctica), Duchen, Serraria Amélia Futebol Clube, e o objeto da matéria, Cotonifício Rodolfo Crespi, atual Juventus.
Hoje, a moda, ou melhor, a realidade é outra, com campos no mais perfeito estilo hi-tech, haja vista as construções que as cidades sede de copas e olimpíadas no mundo vão ganhando em cada temporada.

No caso do Juventus, segundo a própria direção do clube e pelas imagens apresentadas durante a exibição do pré-projeto, a ideia é transformar o estádio da Javari numa arena multiuso, com capacidade para 20 mil pessoas, atendendo ao chamado Padrão FIFA, como também ao Protocolo Copa 2014. Nela, foram projetados 14 mil lugares cobertos, dentre os quais comportarão camarotes para 5 mil pessoas, e 6 mil lugares descobertos para abrigar torcedores das partidas, bem como quem vem para assistir a shows e espetáculos. No projeto da Arena Juventus, também está prevista a construção de um estacionamento com três mil vagas para automóveis, já que o impacto viário naquele local vai aumentar expressivamente. Avaliada em R$ 200 milhões, a intenção é utilizá-la como Centro de Treinamento na Copa do Mundo de 2014.

O presidente do Juventus, Rodolfo Cetertick, que promete um estádio com ares de modernidade retrô

Hotel e sede social

Outro pré-projeto apresentado foi o de um hotel com categoria quatro estrelas, que terá 240 apartamentos de 30 m2 cada, além de deck park e restaurantes. O projeto contempla também a construção de um centro de convenções e exposições. O estabelecimento deve ser construído sobre o Palácio Grená, atual salão de festas do time.

E tudo isso seria bancado por investidores, que já estão sendo procurados e consultados. “Quem for investir pode não aceitar esses projetos, ou investir em apenas um deles”, comenta o presidente do Juventus. “E os 200 milhões de investimento, se acontecerem, depois de um período determinado, serão incorporados ao patrimônio do Juventus”, afirma.

Projeto mostra como ficará o hotel, que deve ser construído sobre o salão de festas do Juventus

Durante a entrevista, Rodolfo Cetertick fez um chamamento para todos os apaixonados pelo clube, sede e estádio: “que voltem a frequentar o Juventus. Tornem-se sócios e prestigiem o futebol da Javari, indo aos jogos da casa e acompanhando campeonato”.

E aos preocupados juventinos, amantes do romântico e histórico espaço da Javari, promete um novo estádio com ares de modernidade retrô. Assinado pelo escritório de arquitetura e design Coltro Ferrari, o projeto ainda precisa passar pela aprovação dos órgãos governamentais e do Conselho Confederativo do Clube, que além de analisá-los, vai colocá-los em votação. A conferir.

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