Na ponta da língua 0 2292

Como tornar o aprendizado da língua mais palatável, é o desafio que professores como Pasquale enfrentam

Quem não conhece o professor Pasquale, aquele gramático de língua afiada que consegue aproximar a nossa tão bela quanto culta fala, escrita, língua, enfim, o idioma brasileiro, que atire a primeira letra. Brincadeiras à parte, esse senhor é responsável por fazer com que a língua portuguesa deixe de parecer o bicho de sete cabeças que todo mundo acha que é, sejam eles adultos ou crianças, sem esquecer dos adolescentes.

Quando perguntado sobre o novo acordo ortográfico entre os oito países que falam o Português, ele logo exclama: “há controvérsias!” Isso porque existem duas alas entre os acadêmicos: a dos que defendem a uniformização ortográfica, e aquela que vê que as diferenças continuarão a existir. “Explico melhor: a questão dos timbres, por exemplo: mesmo caindo o acento circunflexo (^) de telefônico no Brasil, no português falado em Portugal, que era grafado com acento agudo, trará essa diferença de timbre (telefónico)”, comenta Pasquale. O que trará uma forma optativa de escolha, que não se traduz em unidade, como o desejado.

A idéia, ou melhor, ideia de unificar satisfaz muito mais uma necessidade diplomática, que contemplaria a uniformização da redação de documentos internacionais entre países lusófonos (aqueles que falam a língua portuguesa), que eliminaria a necessidade de duas redações, o que facilitaria, segundo Pasquale, o trânsito de redações no mundo em geral.

Nas declarações que tem dado aos órgãos de Imprensa, o professor e também colunista da Folha mostra-se contrário a uma nova ortografia, principalmente antes de todas as dúvidas de grafia serem resolvidas, uma vez que há várias lacunas criadas pela imprecisão de certos trechos do novo acordo ortográfico.

Para ele, há uma precipitação generalizada por aqui. Afinal, nem Portugal, de onde herdamos a nossa língua, aderiu de todo às novas regras e corre-se o risco de dar para trás nesse acordo.

“Idealmente, é até interessante que haja uma unidade gráfica, mas o custo disso tudo é muito alto”, comenta. E ressalta: “fazer com que as pessoas que estão alfabetizadas, que têm uma memória fotográfica da grafia, pronta na cabeça, mudar tudo isso da noite pro dia, é provocar um quase retrocesso. Tradicionalmente, já temos dificuldades com a língua, e é tudo muito subjetivo. Falando pelo lado financeiro, imagine muitas famílias comprando um dicionário, que custa por volta de duzentos reais, o que implica, em muitos casos, um comprometimento de 20% na renda familiar”, diz. E arremata dizendo: “o custo supera o benefício”. Um benefício visto por ele com ressalvas, assim mesmo.

A dica do professor Pasquale é, em primeiro lugar, não se desesperar e não fazer nada, por enquanto. Tanto que em bate-papo no site UOL Educação, disse que vai usar a ortografia antiga em suas comunicações pessoais, até dezembro de 2012, quando somente a nova grafia será considerada como correta. A ordem é: nada de queimar os livros nem as gramáticas, apenas atentar para as novas regras do acordo ortográfico, e tomar cuidado ao consultar publicações, mesmo os dicionários lançados precipitadamente, que trazem mais dubiedades do que luz no caminho do aprendizado da fina flor do Lácio.

Em tempo: para degustar melhor o tema, nada melhor que baixar o som do divino baiano Caetano Veloso, que soube traduzir bem a diversidade de nossa língua mãe, na canção “Língua”.

TÃO BELA, TÃO COMPLICADA

Desde janeiro de 2009, entrou em vigor no Brasil as regras previstas no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. A fase de transição terá duração de três anos.

Num resumo breve da ópera,  pode-se destacar, desde já, algumas mudanças:

As estrangeiras K, W, Y

O alfabeto português passará de 23 para 26 letras, com a inclusão em definitivo do k (capa ou cá), do w (dáblio, dâblio ou duplo vê), y (ípsilon ou i grego). (apenas uma observação: os que já passaram dos 40, hão de se lembrar que essas letras já figuravam antes no nosso alfabeto). Mas há regras para o emprego de tais letras, que continuarão restritas a palavras que se originam de nomes próprios estrangeiros (darwinismo, de Darwin, e taylorista, de Taylor, por exemplo.

Cadê o acento?

No geral, as regras continuam as mesmas, com exceção de alguns casos e do trema. A quantidade de palavras acentuadas será reduzida, e as novas regras serão baseadas na posição da sílaba tônica.

Exemplos:

Passam a ser suprimidos alguns acentos gráficos em palavras graves: crêem, vêem, lêem passam a creem, veem e leem; pára, pêra, pêlo, pólo passam a para, pera, pelo e polo.

As palavras acentuadas no ditongo oi e ei passam a ser escritas sem acento nas palavras paroxítonas (quando a sílaba tônica é a penúltima), já que a pronúncia, aberta ou fechada, varia em muitos casos: estoico, paleozoico, asteroide e boleia, plateia, ideia.

Observação: continuam sendo acentuadas as oxítonas terminadas em eis, éu(s) e ói(s), como pastéis, troféus, heróis, ou monossílabos tônicos, como dói, réu, réis.

Existe também a supressão completa do trema(¨): aguentar (e não agüentar), frequente (e não freqüente), linguiça (e não lingüiça, mas é bom lembrar que a forma como falamos, mesmo sem o trema, se mantém). Supressão do acento circunflexo em abençoo, voo, enjoo.

MAIÚSCULA OU MINÚSCULA?

O uso de maiúsculas e minúsculas obedece

a novas regras:

os meses do ano e os pontos cardeais deverão ser escritos em minúsculas (janeiro, fevereiro e norte, sul, etc.).

poder-se-á usar maiúsculas ou minúsculas em títulos de livros, no entanto a primeira palavra será sempre maiúscula (Insustentável Leveza do Ser ou Insustentável leveza do ser)

também é permitida dupla grafia em expressões de tratamento (Exmo. Sr. ou exmo. sr.) em sítios públicos e edifícios (Praça da República ou praça da república) e em nomes de disciplinas ou campos do saber (História ou história, Português ou português)

SE O TREMA MORREU, O HÍFEN ENCOLHEU

Não se usa em:

palavras compostas em que o prefixo termina em vogal e o sufixo começa em r ou s, dobrando essa consoante: cosseno, ultrassons, ultrarrápido, antirrábico, contrarregra.

o prefixo termina em vogal diferente da inicial do sufixo: extraescolar, autoestrada, intraósseo.

palavras em que o primeiro verbete termina com consoante e o segundo começa com vogal, como hiperacidez, superamigo, superinteressante etc. Também não se usa em palavras em que já não se tem a noção de palavra composta, como em girassol, paraquedas, pontapé.

O hífen emprega-se em:

palavras em que o prefixo termina com a mesma vogal que inicia o segundo elemento, o uso do hífen passa a ser obrigatório. Palavras compostas onde a última vogal do prefixo coincide com a inicial do sufixo (contra-almirante, micro-organismo), exceto o prefixo co, que se aglutina ao sufixo iniciado por o: coobrigação, coordenar, cooperar.

palavras que designam espécies da Biologia ou Zoologia: águia-real, couve-flor, cobra-capelo.

também em verbetes com os prefixos tônicos acentuados pós, pré e pró, seguidos de palavras independentes, como em pré-história, pós-graduação, pré-escolar etc.

em palavras com os prefixos além aquém, ex, recém, sem, soto e vice, a exemplo de: além-mar, além-túmulo, vice-versa, vice-presidente, ex-prefeito, ex-marido, recém-nascido, soto-mestre.

e quando houver a ligação de duas ou mais palavras que formem encadeamentos de vocábulos, como em “eixo Rio-São Paulo”.

CONSOANTE DOBRADA

A supressão de consoantes mudas tal como o nome indica, vai levar ao desaparecimento de consoantes, em que o critério para tal é a sua pronúncia:

cc – ex.: transacionado, lecionar. Mantém-se em friccionar, perfeccionismo, por se articular a consoante.

cç –ação, ereção, reação. Mantém-se em fricção, sucção.

ct – ato, atual, teto, projeto. Mantém-se em facto, bactéria, octogonal.

pc – percecionar, anticoncecional. Mantém-se em núpcias, opcional.

pç – adoção, conceção. Mantém-se em corrupção, opção.

pt – Egito, batismo. Mantém-se em inapto, eucalipto.

Quem é o professor Pasquale

Famoso na telinha pelo programa Nossa Língua Portuguesa, transmitido pela TV Cultura (no ar desde agosto de 1994), o professor Pasquale Cipro Neto trata, em forma de sketchs bem humorados, sem preciosismos, das dificuldades lingüísticas que enfrentamos ao falar o nosso idioma. No programa, examina filmes publicitários, letras de músicas, poemas, HQ, depoimentos de personalidades e populares, artigos da Imprensa, programas de TV e o que mais seja de nossa expressão lingüística, até mesmo aquelas frases feitas que aparecem em traseiras de caminhão.

Filho de imigrantes italianos, Pasquale licenciou-se em Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Professor de português desde 1975, é também colunista da Folha de S.Paulo, e de outros diários e de revistas.

Sem dúvida, entre seus diferenciais, está o fato de procurar levar em consideração as diferenças regionais e, também, as diferenças da norma coloquial para a norma culta do português falado e escrito, fazendo suas considerações e abrindo espaço para refletirmos sobre a nossa língua portuguesa.

Vale a pena conferir algumas publicações do professor Pasquale, entre elas: Gramática de Língua Portuguesa (com Ulisses Infante). Scipione. São Paulo: 1998; O dia-a-dia da nossa língua. Publifolha. São Paulo: 2002, e Nossa Língua Curiosa. Publifolha. São Paulo: 2004.

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