De forno e fogão 0 1964

De modelo a chef, Rita Lobo defende que é preciso se dedicar à cozinha como se dedica à educação

Ela chama a atenção por onde passa com seus traços delicados e porte de modelo. Hoje chef de cozinha, Rita Lobo já se dedicou às passarelas e capas de revistas, mas se encontrou mesmo foi entre as panelas. “Sempre gostei muito de comer. E fui fazer gastronomia porque não sabia muito bem o que eu ia ser quando crescer, mas sabia que gostava muito de cozinhar”, conta a criadora do site Panelinha, um caderno de receitas online que está há 10 anos no ar.

Mas antes de ser cozinheira, Rita é boa de garfo. Não porque é glutona, mas porque gosta de comer bem, apreciar sabores e aromas e, claro, todas aquelas coisas boas que vêm com a comida. “A cozinha tem algo de agregador. Estudos mostram que pessoas que conseguem ter refeições em comum são menos deprimidas, menos obesas. E não se trata de filosofia de avó. Acho que a grande qualidade de se ter um pouco de intimidade com o preparo da comida é que você fica com uma vida mais natural, no sentido de essencial”, diz. E essa história de gostar de comer tem muito a ver com a história familiar da chef. Embora seja filha de uma mulher que nunca foi muito afeita às panelas, Rita viveu em uma família onde os encontros sempre aconteceram ao redor da mesa. A avó paterna, por exemplo, teve 10 filhos. “Ela mesma cozinhava pouco, mas era uma casa que sempre teve muita comida. No Natal, eram 70 pessoas só da família”, conta. A mãe não cozinha, mas sempre prezou os encontros familiares ao redor da mesa, com tudo que uma boa refeição tem direito: entrada, prato principal e sobremesa. “Minha mãe não tem ligação com a cozinha, então eu sempre ficava grudada nas cozinheiras, vendo o que elas estavam fazendo”. A avó materna, por outro lado, é uma inspiração, já que é daquelas que põe a mão na massa e faz de tudo um pouco. Além disso, Rita trabalhou como modelo durante a adolescência e pôde viajar para vários lugares do mundo. “Isso também foi importante para a formação do meu paladar porque eu descobri outras culturas gastronômicas”, conta.

Depois que decidiu deixar as passarelas e estudar gastronomia, ela enveredou por vários caminhos, teve restaurante, foi colunista de gastronomia do jornal Folha de S.Paulo, se apaixonou pela escrita e, há 10 anos, criou o Panelinha, um sucesso na rede. O segredo, que o diferencia de muitos outros sites de culinária, é que todas as receitas são testadas antes de serem publicadas. “Tudo que entra no nosso banco tem que passar pela cozinha, ser testado, medido, feito novamente, escrito e revisado”.

“Comida não nasce na geladeira e não brota do forno. Por isso é preciso dedicar tempo a ela”

Para comemorar os dez anos do site, Rita lançou o livro Panelinha – Receitas que funcionam, uma coletânea de receitas entremeadas com crônicas e textos que celebram o que ela chama de cozinha do dia a dia. “É uma obra para morar na bancada da cozinha e não do escritório. Não é um livro que quer ensinar a deixar sua alimentação mais saudável, é para ser prático”. Mas não se engane pensando que, nesse caso, praticidade signifique tirar um congelado do freezer e esquentar no micro-ondas. “Teve um momento na história em que alguém quis dizer que as pessoas não precisariam mais cozinhar, que alguém ia resolver, magicamente, a questão da alimentação. E as pessoas foram enganadas pela indústria alimentícia que dizia que tudo tinha que ser muito prático. Sem dúvida, a rotina de uma casa pode ser mais prática do que era há 20 anos, mas comida não nasce da geladeira e não brota do forno. Então, do mesmo jeito que a gente se dedica a outras coisas da vida, como a educação, precisa dedicar tempo para a comida, ou seja, para se organizar de um jeito que as coisas funcionem. Não adianta a pessoa saber cozinhar e não ter nada em casa. Ao mesmo tempo, não adianta fazer uma compra gigantesca no sábado e na quarta-feira estar tudo podre. E essa rotina leva um tempo para se estabelecer. As pessoas costumam me pedir cardápio semanal, mas isso não existe porque passa por gosto, pelos hábitos culturais de cada um, não dá para generalizar”. E o Panelinha, o site e o livro, também se propõe a ajudar nisso. Há dicas nutricionais, de sustentabilidade, conservação de alimentos, organização e muito mais.

No dia a dia, Rita também tenta ser prática e, para isso, conta com a ajuda de algumas pessoas. “No meu dia a dia, eu cozinho pouco. Tenho uma pessoa que me ajuda, que era a babá dos meus filhos e agora cuida da alimentação da casa. Ela não era cozinheira, mas aprendeu tudo comigo”. Esse “aprender comigo” não se refere apenas às técnicas da cozinha, mas também a uma filosofia de vida mais saudável, algo que ganhou ainda mais força na rotina de Rita depois que ela teve o primeiro filho. “Antes dos meus filhos nascerem, comer era simplesmente uma fonte de prazer. Podia por bacon e creme de leite porque o que importava mesmo era a comida ficar gostosa. Depois que eles nasceram, passei a pensar na comida como fonte de saúde. Ainda tem creme de leite e bacon, mas bem menos”, diz. Hoje, por exemplo, Rita não deixa entrar em casa refrigerante, achocolatado, margarina, tempero ou comida pronta. “Mas é preciso tomar cuidado quando falamos em comida saudável, porque cada um entende o que quiser. Para algumas pessoas, por exemplo, comida saudável é comida light. Para mim não tem nada pior do que light, porque é químico. Acho que o saudável é o que é mais natural. Quanto mais natural, quanto menos processos químicos o alimento passar, melhor. Porque também não se pode dizer que não come nada industrializado, senão você não come nem o arroz e feijão”. O segredo é usar o bom senso, sempre. “Não dá para comer filé mignon todos os dias, senão não há orçamento. Carne moída e músculo também são bons, só dependem do cozimento adequado”.

Por estar por trás de todos os passos do Panelinha, Rita admite que o site tem muito do seu perfil. “As receitas foram ficando mais práticas e saudáveis. Há opções para quem gosta de cozinhar no fim de semana, para mãe com filho pequeno e até para criança. E não é comida pra criança de um jeito utópico, dessas receitas para as crianças fazerem, mas que nunca vão fazer. É comida para alimentar no dia a dia mesmo”.

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