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Morador do Tatuapé, Falcão mostra que o conhecimento é fundamental para quem quer fazer piada

O cantor e compositor cearense Falcão tem no Tatuapé o seu porto-seguro quando está em São Paulo. É no bairro que ele vive com a esposa e empresária. Está na região desde 2002 e diz que gosta de andar pelas ruas para observar as pessoas e a arquitetura. Tal interesse tem explicação. Arquiteto de formação, Falcão só virou cantor e compositor profissionalmente depois de devidamente formado (pela Universidade Federal do Ceará) e de ter tido uma pequena experiência em um escritório, para o qual fez alguns projetos residenciais, incluindo casas de praia.

Mas a história com a música começou antes da formatura, principalmente na faculdade. O rapaz que gostava de desenhar e fazer cartoons (e isso explica a escolha pela faculdade de arquitetura) tinha por hábito carregar o violão consigo e ficar tocando no intervalo entre as aulas. “Mas sempre no estilo esculhambado”, conta. E essa história começou a fazer sucesso com os colegas. “O pessoal começou a dar corda, me falavam para colocar aquelas músicas em disco e fita. Acabei aceitando”. Aí começaram a aparecer os festivais universitários e, antes de subir ao palco de um deles, Falcão foi aconselhado por algumas pessoas a dar uma incrementada no visual. “Eu não era tão esculhambado assim. Na hora do festival me deram a ideia da roupa, peguei umas coisas da minha mãe e fui. Mas a grande sacada foram os óculos escuros, porque com eles o tímido fica valente”. Se o público adorou aquela “aberração” e aplaudiu incansavelmente, o júri não gostou nada e desclassificou o candidato. Mas como em festival o poder da plateia era grande, ele acabou voltando para fazer um show. Daí, não parou mais. “Hoje, as crianças gostam do visual, acham engraçado. Já as senhoras me adoram. Acham que eu sou ‘um’ Fábio Jr.”, brinca.

A música brega

Com trânsito dentro do que se convencionou chamar música brega, Falcão não vê estranheza nenhuma em sua decisão. Acha até que está no sangue. “Fazer piada é da minha natureza. Meu pai era sacana mesmo sofrendo. Acho que puxei isso dele”, diz. O espírito de piadista ele leva para a sua música não apenas com a intenção de entreter, mas também de questionar e levar as pessoas a refletir. Porque, ao contrário do que muita gente pensa, a música brega também pode ser politizada e questionadora. “O estilo debochado também é uma forma de chamar a atenção das pessoas para alguns assuntos sérios. Descobri isso sem querer. Um dia, comecei a sacar que a pessoa presta mais atenção na música debochada do que se fosse sério. E assim fui colocando questões políticas”, diz.

Hoje, além da música, Falcão é um bom usuário da internet, inclusive das redes sociais. Tem mais de 39 mil seguidores no twitter (@brega_falcao) e posta com frequência em um blog (blogdofalcao.zip.net). Sua mais recente invenção é a 1º micronovela do twitter, intitulada “O desgosto que sua mãe me deu”, que já tem 38 capítulos, ou melhor, “twitadas”. Sempre tirando sarro de si mesmo, Falcão diz que “é preciso muita perspicácia, abnegação e descaração por parte do leitor, para o compreendimento total da coisa, mas que no frigir dos ovos todo mundo sai perdendo”. No seu blog, ele também toca em assuntos sérios, como política e o preconceito que existe com os nordestinos. Tudo, claro, com uma boa dose de bom humor. “Não tem assunto que não dê para fazer humor. O humorista tem que perder o amigo, mas não a piada”.

Influências

Para quem pensa que fazer música brega ou piada não demanda muito conhecimento, Falcão é a prova de que o contrário é verdadeiro. O mesmo pai piadista e sacana, como ele mesmo diz, era um leitor ávido. “Eu me lembro que não tínhamos energia elétrica em casa e ele ficava lendo, à luz de um lampião, revistas como O Cruzeiro e Realidade”, diz. “Aí eu viciei na leitura de bula de remédio e jornal atrasado. E gostava de inventar notícia enquanto eu lia o jornal”, completa. Recentemente, Falcão começou a reler Memorial de Aires e o livro de contos, de Machado de Assis. Também gosta muito de biografias, como a de Leonardo da Vinci e Padre Cícero.

Quando o assunto é música, ele resume o gosto pessoal da seguinte forma: “Sendo boa, não interessa a nacionalidade”. Bob Dylan, Belchior, Zé Ramalho, Frank Zappa e Jimi Hendrix estão entre seus preferidos. Tem ainda, é claro, Waldick Soriano, o “cara” que, de alguma forma, o lançou para o estrelato. Explico: o primeiro sucesso de Falcão foi I’m not dog no, uma versão em inglês macarrônico para o clássico Eu não sou cachorro não. “Nos anos 1970, só se ouvia música em inglês nas rádios FM. Eu pensava na chance que as pessoas estavam perdendo de ouvir em som mais nítido um cantor como Waldick Soriano. Então, para chamar a atenção, eu traduzi a música com o dicionário na mão, palavra por palavra”.

Política

Em uma época na qual as candidaturas de artistas e celebridades ganharam os holofotes, Falcão revela que não aguenta mais ser convidado para se candidatar em eleições. “Tem tanta gente me assediando para a política que já está acabando o estoque de palavrão”. E ele dá seu veredicto. “Eu acho que o artista tem que ser político apartidário. Tem que educar e esclarecer através da arte. Para ser político é preciso ser profissional”.

Sem a menor pretensão de um cargo nas esferas do poder, ele segue compondo e cantando sua música brega, divertida e politizada, e trabalha na pré-produção de um DVD ao vivo. De vez em quando, arrisca previsões astrológicas com o que chama de “horóscopo falconético”. “Mas hoje não faço não. Está nublado e não dá para ver os astros”.

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