Você pode até não acreditar, mas já houve uma época em que os pais não queriam que seus filhos fossem jogadores de futebol. Quando a profissão não era super valorizada e os jogadores estavam longe de ganhar milhões, alguns meninos precisavam sair de casa escondidos para jogar bola. Foi o que aconteceu com Félix Mielli Venerando, o goleiro que participou da conquista do tricampeonato mundial em 1970. Para poder ir treinar no Juventus, o pai o ajudava a sair escondido da mãe e deixava a chuteira do filho em uma fábrica que ficava no caminho, aonde o menino ia buscá-la e seguia para o estádio. Assim como todo garoto, Félix gostava de futebol e queria jogar, mas sem sonhar com glórias ou fama. “Naquela época não tinha esse negócio de sonho de ser jogador de futebol. A febre não era tanta como hoje porque a profissão não era tão valorizada. Você tinha mesmo é que estudar”.
Hoje com 72 anos e morando no Tatuapé, Félix continua apaixonado pelo esporte, mas não bate mais bola com os amigos por causa de problemas de saúde e não vai mais aos grandes estádios devido à violência. Acompanha os campeonatos pela televisão. Para ele, o que estraga a beleza do futebol são as torcidas organizadas. “Não sei qual o prazer que eles têm de fazer isso. Acaba com o futebol”. Estádio mesmo só o do Juventus, onde gosta de acompanhar os jogos de outras divisões. Foi no clube da Mooca, aliás, que ele começou na carreira, como atleta das categorias de base. Profissionalmente, o clube que deu início à trajetória do famoso goleiro Félix foi a Portuguesa, time para o qual ele ainda torce. “Fiquei 13 anos na Portuguesa, passei minha juventude e adolescência lá dentro. Trago a Lusa no coração”, conta. Passou 17 anos morando no Rio de Janeiro, época em que jogou no Fluminense e conquistou cinco campeonatos cariocas e, quando voltou para São Paulo, escolheu o Tatuapé para morar.
Cortado na convocação da seleção de 1970, mesmo tendo jogado todas as eliminatórias, Félix só entrou na lista quando o técnico Saldanha deixou o comando da seleção para a entrada de Zagallo. Segundo o próprio jogador, foi a primeira vez que um treinador levou três goleiros para o mundial o que, para ele, é necessário, por ser uma posição na qual não se consegue improvisar.
Até hoje, quando se fala de Félix na Copa de 1970, muita gente se lembra das críticas que foram feitas ao goleiro. Para a mídia e para muitos torcedores, ele não estava à altura da seleção canarinho – que tinha Pelé, Jairzinho, Tostão e Rivelino – era franzino e, ainda por cima, gostava de jogar sem luvas para poder sentir melhor a bola. “Diziam que o Brasil tinha time, mas não tinha goleiro”, relembra. “Mas dei um tapa com luva de pelica em todos aqueles que não acreditavam em mim e isso está superado”, encerra o assunto, não sem antes explicar porque jogou de luva apenas o último e decisivo jogo, a final contra a Itália. “Uma das desculpas do Saldanha para me cortar era que eu não jogava de luva. As outras eram porque eu era magro, não saía do gol e não aceitava choque dos gringos. Então, para mostrar que eu sabia jogar de luva, entrei no jogo da Itália com elas, de tão confiante que eu estava na vitória. E o pessoal supersticioso quase me bateu. Quase não me deixaram entrar em campo”.
Como se vê, não há Copa do Mundo sem críticas dos próprios brasileiros à seleção, seja ela qual for, com estrelas do porte de Pelé ou não. Hoje, 40 anos depois do tricampeonato e às vésperas do mundial que pode garantir o sexto título ao Brasil, as críticas são pouco lembradas. Infelizmente, as boas defesas também. Afinal, no futebol ofensivo, os louros são quase sempre para os atacantes. Ainda mais que Félix vem de uma época em que os goleiros não recebiam o treinamento específico de hoje, com treinadores exclusivos para eles. O segredo era mostrar que tinha condição de ocupar aquela posição, talvez a mais solitária do futebol, já que enquanto todo mundo comemora o gol do outro lado do campo, o goleiro costuma vibrar sozinho.
O gol entrou na vida de Félix meio por acaso, ou melhor, como consequência da sua impetuosidade. “Quando garoto jogava na rua, eu ainda sou da época da bola de meia, e não tinha medo de me atirar no chão para fazer as defesas, como eu nunca tive na época que eu jogava profissionalmente. Eu ia no pé do adversário mesmo. E fui me aprimorando em fazer isso sem cometer pênalti”.
Ainda como atleta de base do Juventus, Félix se lembra do dia em que entrou em campo como reserva de Oberdã Catani, “um dos maiores goleiros do Brasil”, que encerrou a sua carreira no clube da Mooca. “Foi um orgulho para mim”. E olhar os profissionais da época jogar foi uma grande escola para Félix. “Antes de mim tinha o Gilmar, um dos grandes goleiros do Brasil e o Valdir, do Palmeiras. Eles foram meus ídolos. E posso dizer que fiz meu estilo copiando a elasticidade do Gilmar e a tranquilidade, a frieza e a colocação do Valdir. Porque toda coisa boa que se faz é copiando uma coisa melhor”.
Embora ainda guarde algum ressentimento com relação aos dirigentes do futebol, assunto sobre o qual prefere não falar, é com um largo sorriso e muita emoção que Félix conta qual a sensação de ouvir o apito final no último jogo da Copa. “Ah, eu não sei descrever. Fui um dos jogadores mais criticados da seleção. Então, precisava mostrar diariamente que eu era o melhor do Brasil naquela época. Quando você é criticado, se segura o tempo todo porque não pode demonstrar nervosismo. Então tinha que me acalmar. E quando termina, aqueles nervos vêm à flor da pele, sai tudo, você não sabe se chora, se ri, se grita, se planta bananeira. Você extravasa tudo que segurou. E eu segurei o que ouvi de uma nação, um Brasil”.
Esperamos que neste ano, diante de tantas críticas à seleção do técnico Dunga, os nossos jogadores possam ter a mesma sensação explosiva de Félix e, assim como ele, voltar com a cabeça erguida e o título para casa.