Foi na oficina de funilaria e pintura de seu pai, aos 15 anos, que Clélio Duarte Coutinho deu os primeiros passos como escultor, com a sucata que guardava dos carros dos clientes. Mal sabia ele que, anos mais tarde, seria reconhecido como um verdadeiro artista autodidata pelo seus clientes.
Morador da Água Rasa, Coutinho, 53 anos, lembra com saudades da infância na funilaria de sua família. “Eu brincava muito mais do que ajudava meu pai a consertar os carros, mas foi ali que descobri o que era arte”, diz.
A primeira oportunidade de divulgar o trabalho como artista aconteceu graças a uma artista plástica que solicitou os serviços de funileiro de Coutinho, para soldar algumas de suas peças. “Ela veio a nossa casa e ficou impressionada com o trabalho dele, então o convidou para integrar uma exposição que ela participava”, conta Sueli Coutinho, esposa de Clélio.
Apesar de nunca ter profissionalizado a habilidade, pois não acredita que a classe artística tem boas oportunidades no país, Coutinho já participou de diversas exposições. “Continuo com a oficina de carros, mas inventar arte é o meu verdadeiro prazer e, hoje, mantenho isso como hobby. Desde o meu primeiro vernissage, em 1998, já expus muitos trabalhos, mas vendi apenas quatro obras, pois minha proposta não é comercializá-las, mas homenagear a natureza e a força criativa do homem, reciclando cada momento”, explica.
Um dos momentos importantes na carreira de Coutinho foi a participação no Grupo Alquimistas, composto por cerca de dez artistas com técnicas distintas diferentes. “Começamos a reunir ideias e trabalhos em 2001 no Parque do Piqueri, no Tatuapé, mas depois de um tempo alguns foram para o exterior, outros seguiram um caminho diferente e o grupo se desvinculou”, relembra Coutinho.
SUCATA É MATÉRIA-PRIMA PARA ARTE
Volantes, escapamentos, rodas, velas, faróis, além de pedaços de bicicletas, móveis e outras peças automobilísticas danificadas servem como matéria-prima para as esculturas de Coutinho. O artista, que começou com peças pequenas como cinzeiros e o simpático “Amarelinho”, tem aperfeiçoado sua inspiração com esculturas muito maiores. “Nossa casa é toda decorada com as excêntricas peças dele, desde as paredes até o banquinho da sala, feito com minha forma de pizza e o suporte de um vaso de flores. Na maioria das vezes, com um simples rabisco de ideias, as obras dele têm resultados bonitos e surpreendentes”, ri Sueli. Para ele, o extintor transforma-se em “Aranha” e o escapamento em “Escorpião”.
As obras do autodidata não recebem nenhum tratamento específico e são denominadas em cinco categorias: Abstratas, Humanas, Comemorativas, Animais e Carrancas. “O diferencial está na espontaneidade da linguagem que uso, um jogo de construção onde a única regra é o prazer da expressão resultando na obra de arte”, cita Coutinho.
Quando anda por São Paulo, o artista vê as ruas e avenidas com outros olhos: “nunca tinha reparado como vivo numa cidade com tanta arte, se reparar bem dá para encontrar uma obra de arte em cada esquina”, observa.
Para ele, as indústrias transformam a matéria preciosa, extraída da terra, em peças funcionais para servir ao homem, mas, com o avanço da tecnologia, esses produtos tornam-se sucata, desprezada e entulhada. “Permito uma dialética entre o material e meu olhar de forma espontânea, num jogo lúdico de reconstrução, no qual a forma sobrepuja a utilidade, atribuindo uma sobrevida estética”, pontua.