Reinaldo Di Cunto, 68, e Marco Di Cunto Júnior, 32, são tio e sobrinho e representam duas gerações que fazem funcionar uma empresa com 155 funcionários e uma produção diária de 400 tipos de produtos: a Di Cunto, cuja história centenária anda junto com a história da Mooca e da imigração italiana para São Paulo.
Marco representa a quarta geração que faz os motores dessa empresa funcionar. Os tempos são bem diferentes daquele longínquo 1878, quando Donato Di Cunto, o patriarca dessa família ítalo-paulista, desembarcou em São Paulo achando que estava em Montevideo, onde tinha parentes. Se naquela época ele teve que aprender os primeiros passos para fazer pão, hoje a empresa que ele começou produz quase mil itens que vão do pãozinho a massas elaboradas.
Oficialmente, a Di Cunto tem 77 anos. Mas a realidade é bem mais longeva. Depois de desembarcar no Porto de Santos, Donato, então com 17 anos, teve que enfrentar muitos desafios. Como era carpinteiro, a família acredita que ele tenha conseguido trabalho rapidamente nessa área. “A gente não tem muita informação dessa fase inicial. Mas podemos imaginar que um garoto de 17 anos deve ter encontrado muita dificuldade. Não conhecia ninguém, não falava a língua e não tinha dinheiro. Nós, que somos descendentes, somos fãs dele, que tinha aquele espírito indômito, do imigrante que partiu sem possibilidade de volta”, conta Marco Júnior.
Em 1895 (ou 1896, não se sabe a data exata), já em São Paulo, ele decide se arriscar na abertura de uma padaria, afinal, a essa altura a imigração italiana se acelerava em São Paulo. O negócio começou na Rua Visconde de Parnaíba e, pouco tempo depois, Donato comprou o terreno onde a Di Cunto funciona até hoje, na Rua Borges de Figueiredo, e construiu o casarão que era casa em cima e padaria embaixo. “Com o sonho de trazer a família para o Brasil, o Donato vai para a Itália, acaba conhecendo a mulher que seria sua esposa, a Rosalia, se casa e os dois vêm juntos para o Brasil. Os dois primeiros filhos do Donato nasceram aqui. Em uma última viagem, ele decide trazer toda a família, mas há algum problema e ele fica por lá. O irmão dele continua com a padaria por mais alguns anos”, explica Marco. Na Itália, Donato teve mais oito filhos e, de alguma forma, incutiu neles a ideia de que deveriam vir ao Brasil para prosperar. E foi o que acabaram fazendo. Lorenzo Di Cunto, avô de Marco e tio de Reinaldo, foi o primeiro a chegar, em dezembro de 1934. O restante da família veio logo depois e, no dia 14 de março de 1935 o forno da padaria foi novamente aceso. A partir daí, começa a história oficial da empresa.
A Irmãos Di Cunto começou com os irmãos Vicente, Lorenzo, Roberto e Alfredo, que não sabiam nada de panificação. “Eles não sabiam, mas foram procurar aprender. Isso, herdaram do pai. Na época, a família passou muita dificuldade, viviam modestamente e todo o resultado era repartido de forma igual para todos. O que sobrava era reinvestido no negócio, ou seja, o negócio crescia e a família também”, conta Marco.
Nessa história de décadas, houve, claro, muitos altos e baixos. A Segunda Guerra, por exemplo, foi um período difícil, em que havia escassez de farinha, uma das principais matérias-primas da empresa. Porém, a Di Cunto conseguiu se manter no mercado e foi atrás das inovações para cada época. Hoje, o pão não é mais o carro chefe da empresa, que sentiu necessidade de diversificar sua linha de atuação. “Hoje a confeitaria é a atividade principal da casa”, diz Marco. “E dentro da confeitaria, o carro chefe e símbolo da Di Cunto é o panetone”, completa.
Panetone este que é produzido ininterruptamente há 70 anos. “Um dos orgulhos da família Di Cunto é ser a mais antiga fabricante de panetone em atividade no Brasil. Começamos a fabricação em 1939. Ninguém que começou antes da gente está de pé”, diz Marco. São cerca de 1.500 quilos por semana ao longo do ano e 60 mil quilos entre novembro e dezembro. A receita usada tem 20 anos e um ingrediente que merece sala climatizada especial: o fermento. “O nosso fermento é o mesmo desde 1969. Quando fazemos o panetone, separamos o que vai para a massa e guardamos um pedaço para o dia seguinte.
Esse pedaço fica em uma sala com ar condicionado. Porque é um elemento vivo e está sujeito a doenças, como a gente”, explica Reinaldo.
De geração em geração
Desde que Donato Di Cunto começou a empresa, muita coisa mudou. A começar pelas condições socioeconômicas do País. A empresa, claro, precisou acompanhar todo o desenvolvimento. Mas pelo menos uma coisa continua igual: a paixão e o respeito que as gerações da família nutrem pela empresa e sua história. “O grande legado deixado pelos antepassados não foram as receitas nem o patrimônio, mas honestidade, dignidade, gostar do que se faz”, diz Reinaldo.
Tanto Reinaldo quanto Marco cresceram dentro da empresa, vendo de perto seu desenvolvimento. “Quando criança, eu vinha aqui para brincar, quebrar ovo. Saía um carro para fazer entrega e eu ia junto. Mas tudo na esportiva, nada profissional”, conta Reinaldo. “Eu comecei para ajudar aos 15 anos. Vinha nas datas festivas, ajudar a fazer pacote, entregar encomendas.
Era uma oportunidade de estar perto do meu pai. A Di Cunto já era uma empresa conhecida, famosa no bairro. Era sempre uma referência legal e, de certa forma, eu queria fazer parte disso. Conforme fui tomando conhecimento dessa história, fui me apaixonando por esse legado que meu tio fala”, conta Marco, que há oito anos está diariamente na empresa. Hoje Gerente de Marketing, ele é, ao lado da prima, a nutricionista Fernanda, a quarta geração a comandar a Di Cunto. E tem a missão de continuar a modernizar e valorizar a marca sem perder a história e a tradição que caracterizam a empresa. Para isso, espera conseguir manter o legado deixado pelo velho Donato. “Precisamos seguir sempre o exemplo dos mais velhos, de pensar em favor da empresa. Se a empresa estiver bem, a família também vai estar bem”, diz.
CURIOSIDADES
– Como carpinteiro, Donato Di Cunto chegou a trabalhar no Grupo União, que atuava na construção civil sob o comando de Ramos de Azevedo, arquiteto que fez o Teatro Municipal.
– A Di Cunto já chegou a produzir 350 mil quilos de panetone na temporada (novembro e dezembro).
– Teve um ano em que a empresa teve um prejuízo de cerca de 10 mil quilos de panetone perdidos em três dias. Isso porque a massa virava água. Descobriu-se que o problema era a manteiga usada. O fabricante tinha adicionado bicarbonato na manteiga e isso matava a acidez do fermento. Foi só trocar a manteiga para ter um bom panetone novamente.
– Uma vez, a grande varejista americana Macys comprou um lote de produtos Di Cunto para fazer um teste nas lojas. Depois, quiseram fazer uma compra muito grande, que a empresa não pode aceitar.
– O restaurante do Mooca Plaza Shopping chama-se Terceiro Porto em homenagem a Donato Di Cunto que, ao chegar ao Brasil, teria que desembarcar no terceiro porto em que o navio ancorasse. Era para ser em Montevideo (Rio de Janeiro – São Paulo – Montevideo era a rota), mas a embarcação fez uma parada extra em Recife que Donato não contabilizou. Então, o terceiro porto acabou sendo São Paulo, onde a história da Di Cunto começou.
– Donato di Cunto dá nome para a praça em frente à Igreja na província italiana de San Marco di Castellabate, sua cidade natal. Lá, ele foi um carpinteiro reconhecido e também um personagem ilustre pela história de vida e pelo que construiu.