
Ao encarar a função inédita de viver uma vilã no horário das seis, Heloísa Périssé, que interpreta a perversa Zulma em “Êta Mundo Melhor”, sabia que sua bagagem cômica entraria em cena para atenuar as maldades da personagem na trama lúdica de Walcyr Carrasco e Mauro Wilson. Ainda assim, ela se viu diante de uma reviravolta dramática ao encontrar doses de drama no enredo de Zulma, uma personagem que talvez esconda um passado sofrido por trás de sua fachada cruel. “Essa é a minha primeira vilã e o fato de maltratar crianças trouxe um peso enorme para mim”, conta a atriz.
Por conta disso, Heloísa sentiu que precisava buscar uma construção com leveza, buscar um escapar da vilã de conto de fadas, cruel e sem maiores nuances. O caminho que a atriz escolheu foi enxergar a personagem como uma vítima do passado, como uma criança ferida que sofreu muito e por isso se tornou uma adulta egoísta, centrada no próprio objetivo. “O mais interessante é justamente essa complexidade: Zulma tem várias camadas, e cada uma revela um pouco mais sobre suas dores, suas escolhas e o que a levou a ser quem é”, afirma.
Na história das seis, Zulma é dona do abrigo onde vai parar o filho de Candinho, papel de Sergio Guizé. Ela obriga as crianças a costurarem, bordarem e encadernarem livros para vender. Briga e atormenta as crianças, mas sempre de maneira engraçada. E faz de tudo para conquistar Candinho de olho na herança dele. “Esse convite veio quando eu estava me sentindo pronta pra uma novela e uma vilã. Tudo o que eu quero fazer da Zulma, seja a graça, a maldade ou o amor quero que tenha verdade. Essa novela é extremamente isso. Uma história linda e com verdade”, valoriza.
Sua última novela havia sido “A Lei do Amor”, que foi ao ar em 2016. Como surgiu a oportunidade para integrar o elenco de “Êta Mundo Melhor”?
Foi um convite do Walcyr (Carrasco) e da Amora (Mautner). Fiquei muito feliz de fazer essa personagem porque é a realização de um sonho para mim. Adoro trabalhar com criança. Inclusive, comecei minha carreira trabalhando com criança. A Zulma é uma personagem deliciosa de fazer porque, ao mesmo tempo que ela é má e ruim, ela também é engraçada.
Como tem sido incluir o humor em uma vilã para o horário das seis?
A Zulma é uma personagem atrapalhada. Então, isso traz uma série de camadas para ela. Ela tem variações muito rápidas. A personagem é de um jeito cada vez que está com uma pessoa. Com o Celso, ela é de um jeito… Com o Ernesto, ela é de outro… Mas graças a Deus tudo isso. É uma delícia encarar um trabalho assim. É como já dizia Confúcio: “Escolha um trabalho que você ama e não terá que trabalhar um único dia na sua vida”.
E por onde você foi para construir as referências da Zulma?
Eu acho que a Zulma tem alguma coisa de Carminha (“Avenida Brasil”). Uma coisa dessa bipolaridade. A Carminha foi uma vilã que eu contracenei diretamente. Inclusive, meti a porrada (risos). E foi muito engraçado porque sou muito amiga da Adriana (Esteves). Também sou muito fã da Nazaré, da Renata Sorrah. Acho que a Zulma vai mais pelo caminho cômico porque, em algum lugar, dá para ver que ela tem um certo afeto por aquelas crianças. Acho que a Zulma foi uma criança explorada.
Por quê?
Ela com certeza sofreu algum trauma. Quando a gente passa por um trauma, a gente coloca milhões de couraças em cima. Às vezes, são pessoas extremamente sensíveis. E por serem sensíveis, elas têm de se blindar de alguma forma.
Você já usou desse artifício na vida para se blindar de algo?
Não acho que eu tenha algum trauma. Ao longo da vida, todos nós acabamos desenvolvendo algo nos nossos corações. Sair da Bahia e vir para o Rio de Janeiro para seguir meu sonho de ser atriz foi um momento muito marcante na minha vida. Foi quando eu realmente precisei acionar forças e recursos internos que, muitas vezes, a gente nem percebe que tem. Especialmente quando estamos na casa dos nossos pais, naquele conforto, naquela zona segura que é tão familiar. Não é como se eu pudesse simplesmente chegar e dizer que tenho um trauma, sabe? Porque, para mim, eu nunca deixei nada que eu não quisesse ficar em mim. De verdade. Eu só levo a lição daquilo que vivi e pronto. Não sou uma pessoa de guardar mágoa, não sou mesmo.
Essa forma de pensar também apareceu durante seu tratamento contra o câncer?
Sim, eu inclusive me tratei fora da minha casa justamente porque eu não queria passar por uma quimioterapia ou uma radioterapia e voltar pra casa que eu moro, deitar na cama que eu dormiria, entendeu? Eu me tratei fora do Rio, em São Paulo, que era onde realmente eu achei que ia ser melhor por causa dos meus médicos. E quando acabou o tratamento eu só fui saindo, batendo porta, entrando no elevador, batendo porta e sair do hotel que eu fiquei durante esse tempo e tchau. Como diz um amigo meu, que é pastor, vamos ter a ousadia de deixar o passado no passado e aí você aprende a sua lição.
A sua visão religiosa mudou após o tratamento?
Eu agradeço a Deus porque, hoje em dia, se alguém me pergunta qual é a minha denominação de fé, eu digo que fé vai muito além das denominações. Fé, para mim, é a certeza daquilo que você não vê. É como subir o primeiro degrau de uma escada sem enxergar os próximos – mas ainda assim subir, confiando. Hoje, eu defino fé como a capacidade de aceitar com resiliência aquilo que se apresenta na sua vida, acreditando que Deus é bom e que, mesmo nas situações difíceis, existe um propósito. E esse propósito não é só para você – é para algo maior, para todo o universo.









