
Para Alexandre Nero, a profissão de ator é quase um exercício de autoanálise. Ele, que atualmente vive o ambicioso Marco Aurélio de “Vale Tudo”, sempre realiza mergulhos interiores para compor cada novo personagem. O vilão do horário nobre, inclusive, ganhou contornos mistos da própria personalidade de Nero. “Acho que todos os personagens estão em mim. Todo mundo pergunta o quanto eu tenho do personagem malvado, mas ninguém pergunta do bonzinho (risos). Dentro de mim tem todos os cafajestes, os anjos, os demônios… Dependendo do personagem, você coloca para fora, aumenta a lente sobre isso”, explica.
Na história adaptada por Manuela Dias, Marco Aurélio é vice-presidente da TCA, empresa de aviação do Grupo Almeida Roitman, onde começou a carreira como piloto. Apesar de não ser mais um Roitman – é divorciado de Heleninha –, Marco Aurélio aprendeu a olhar tudo de cima e tem estratégias agressivas de conquista. No trabalho, impõe medo, sobretudo a Freitas, papel de Luis Lobianco, seu assistente, que usa da submissão para sobreviver. “Ele queria ser a Odete (risos). É a Odete de calças, tem admiração incrível, mas quer passar a perna nela, quer o dinheiro dela, mas tem admiração por ela. Para ele, homem é homem, mulher é mulher, para ele é confuso essas coisas e tem conflitos com filho por causa de masculinidade. A fraqueza dele está no filho. Sempre ousei dizer que as pessoas iriam gostar dele, é um misto”, afirma.
Após viver o lúdico Tico Leonel, em ‘No Rancho Fundo’, você retorna à tevê como o clássico vilão Marco Aurélio. Como está sendo viver um tipo tão oposto logo em sequência?
Estou me divertindo. Maltratar os outros de brincadeira é tão gostoso. A gente dá risada, se abraça depois. Venho de um personagem muito afetuoso, angelical. E então, encaro esse pilantra, canalha. É um privilégio para qualquer ator brincar assim com todas as características do ser humano. É algo que cabe em todos nós. Todo mundo tem um pouco de Marco Aurélio.
Inclusive você?
Sempre me questionam sobre a distância dos personagens de mim. Acho que todos estão na mesma distância. Tenho todos em mim. Dentro de mim tem todos os cafajestes, os anjos, os demônios… Dependendo do personagem, você coloca para fora, aumenta a lente sobre aquela característica. Nosso trabalho é como entender a mente do criminoso, do anjo. Se eu estivesse ali, o que faria? Acho que a novela mostra bem isso, né? Ninguém é só bonzinho ou malvado. Depende da situação. Se você achasse um milhão de dólares, o que faria? Devolveria? Procuraria o dono? Gastaria tudo? Complexo…
Mas você enxerga espaço para construir alguma fragilidade no Marco Aurélio?
O Marco Aurélio é um sujeito ambicioso, solitário, cafajeste, grosseiro, sem filtro e sem noção. Mas há uma fragilidade nele: o filho. Ele quer ser um bom pai, mas não consegue. Nesta relação com o filho, me identifico com Marco Aurélio. Um pai sempre está tentando acertar, mas erra algumas vezes. Sempre sentem que podiam fazer o melhor. Ele tenta acertar, mas faz burrada. É onde há humanidade nele. Na verdade, não sei se sou a melhor pessoa para falar do Marco Aurélio no momento.
Por quê?
Não sei na novela que viram, mas na novela que estou lendo, o Marco Aurélio é o herói. Não estou achando ele o vilão. A Paolla (Oliveira) vai discordar, mas o Brasil vai me entender (risos). Nós, atores, não somos juízes dos personagens. Somos advogados. No momento, sou o advogado do diabo e estou defendendo o Marco Aurélio em todas as instâncias. Vejo o Marco Aurélio como um cara sem filtro social, ele é fora da civilização. Não sabe sentar-se numa mesa e conversar de forma civilizada. Mas tem seus arrependimentos, amores. As pessoas vão ver isso ao longo da novela.
Quais memórias você tem da primeira versão de ‘Vale Tudo’?
Eu assisti a “Vale Tudo” quando tinha 18 anos. Então, não lembro de nada. Tenho alguns flashes de momentos históricos, como a banana para o Brasil e a morte da Odete. Assisti apenas à primeira semana da novela. Queria entender o que todo mundo falava tanto. Será que é tudo isso mesmo? É mesmo! É um negócio assustador de bom. Tem atores maravilhosos, elenco encaixado, texto espetacular. Então, parei de assistir.
Por quê?
Achei que não compensava. Vamos fazer uma novela nova. Eu cheguei a ligar pro Reginaldo Faria (que viveu o Marco Aurélio na versão original). O papo foi ótimo, pedi a benção. Gentilmente ele me recebeu. Conversamos sobre como foram as inspirações e os caminhos dele. Nunca pensei em imitar, né? Meu olhar para o Marco Aurélio será diferente porque sou diferente do Reginaldo. Pensamos de forma diferente, somos pessoas diferentes.
Antes mesmo da estreia, o remake enfrentou uma série de críticas. É um projeto que gera certo receio da repercussão do público?
Não digo receio. Mas sempre tive a ideia de que as pessoas iriam comparar com a antiga. Alguns não iriam curtir muito mesmo, mas acredito que todos podem amar. Tem gente que ama porque gosta mesmo. Mas tem quem ame odiar (risos). É uma novela com muita coisa para discutir. Política, ética, moral.