Profissões de resistência 0 6949

A história de um sapateiro, uma bordadeira e um vendedor de peixes que ainda exercem seu ofício na cidade

Hoje em dia fala-se muito em profissões do futuro, dentre as quais podemos destacar as engenharias, em especial as de caráter ambiental, e as de tecnologia, além daquelas relacionadas ao bem-estar, em que entram uma infinidade de “novas” profissões, como as de massoterapeuta, acupunturista, e as demais terapias alternativas, cada vez mais procuradas em todas as camadas da sociedade.

Existem, ainda, aquelas profissões com que muitos sonharam um dia e que se mantém até hoje: bombeiro, médico, advogado, bailarina. E as que se tornaram muito desejadas pela influência das mídias de massa, como jogador de futebol, modelo, artista de televisão, ou até mesmo, como disse um dia o jornalista Nelson Motta, simplesmente ser famoso.
Além dessas todas, algumas outras profissões, de cunho mais artesanal, persistem na passagem do tempo e continuam a existir, mesmo não sendo tão valorizadas como antes.

Um dos sapateiros mais procurados e queridos de toda a Mooca, Ariston Alves Cavalcante, de 62 anos, tem 50 anos de profissão e 40 só de Mooca. À frente da sua sapataria na Rua do Oratório, vive mergulhado numa profusão de sapatos sem fim e, do alto de sua simplicidade, acerta em cheio quando diz: “hoje em dia, é difícil formar um aprendiz. E olha que já formei vários! A molecada só quer saber de computador, não quer dar duro. Tem que gostar e se apaixonar pelo ofício”. Ele mesmo é exemplo disso, pois quando veio do interior com os pais, então com 15 anos de idade, ficava na sapataria de um amigo da família, no Ipiranga, e foi assim que vivenciou o mundo dos sapatos e por ele se apaixonou. “Faço porque gosto, tanto que o sapateiro que me ensinou acabou arrendando uma sapataria lá no final da Rua Silva Bueno, também no Ipiranga, depois me deu a dica para comprar essa aqui na Mooca, onde estou há 40 anos, consertando todo tipo de calçado”.

Sobre os colegas de profissão, o sapateiro diz que são muitos, mas que a falta de aprendizes preocupa sobre o futuro da profissão, já que clientela não falta. E não falta mesmo, pois precisamos parar três vezes a entrevista para que ele pudesse atender clientes que entravam, entre eles uma moça que aproveitou para elogiá-lo: “escreve aí que ele é o melhor sapateiro que existe!”. Recado dado.

Ariston Alves Cavalcante, de 62 anos, trabalha há 50 anos como sapateiro

Já dona Yvonne dos Santos, de 74 anos, 50 deles dedicados à alta costura como bordadeira de ‘mão cheia’, vê que a tendência é grande de não se fazer as coisas mais por encomenda. “Difícil de concorrer com os preços de artigos chineses. As pessoas endinheiradas preferem viajar para Miami e adquirir mercadorias de inferior qualidade, mas com preços menores”, comenta. Mesmo assim, dona Yvonne se orgulha da profissão que abraçou. Chegou a produzir muitos vestidos de festas e para desfiles de alta costura, modelos únicos para madrinhas e noivas que foram capa de revistas de moda, e trabalhou com grandes costureiros como Clodovil e o estilista Franco Oliveira, que vestiu a modelo Gisele Bündchen há alguns anos, quando esta veio lançar campanha de produtos para o cabelo. Chegou, também, a receber encomenda da grife Pièrre Cardin e de vários outros estrelados que adaptavam o modelo da roupa ao desenho de seu disputadíssimo bordado, que já vestiu noivas do jet set, esposas de banqueiros e mulheres da família Diniz. “Agora eu diminui um pouco o ritmo, pois já trabalhei muito, em média 18 horas por dia, com pequena pausa para comer alguma coisa e continuar logo em seguida. Até quando minha mãe ficou hospitalizada levei minha máquina para fazer meus trabalhos, pois as encomendas tinham prazos muito apertados”, relembra. Formada na Belas Artes, Dona Yvonne, com seu espírito irrequieto e falante, já deu aula de Educação Artística em escolas do Estado, e de pintura em porcelana em cursos livres.

O segredo de produzir tanta beleza com as mãos, especialmente os bordados, está na grande paixão com que sempre produziu cada peça. “Sempre fiz peças únicas e caríssimas, para pessoas de alto poder aquisitivo, mas isso não importava. Naquele momento, pensava que estava fazendo algo para mim, que iria gostar muito daquele vestido depois de pronto. Penso que meu segredo é o amor que sempre tive por tudo isso, de dedicar a minha vida para o belo”, diz com orgulho.

Nas ruas do Tatuapé e da Vila Formosa, quem mantém ativa uma profissão de antigamente é Francisco Genose, 75, que há 50 anos trabalha como vendedor de peixes. No começo, a caixa com os peixes ficava em uma carroça puxada por um cavalo. Mas, há cinco anos, ele trocou a tração animal por um carrinho de mão. No isopor, pescada, sardinha, camarão e cação, peixes que ele vai buscar – dia sim, dia não – no Ceasa, antes mesmo de pegar o carrinho na casa da sobrinha e sair andando por aí, faça chuva ou sol.

Francisco Genose, que há 50 anos vende peixes pelas ruas do Tatuapé e Vila Formosa

Seu Francisco é alto, magro, sorridente e anda rápido. Ele não sabe precisar quantos quilômetros caminha por dia. Mas com certeza são muitos. Às segunda e quartas, ele circula pelas ruas do Tatuapé. Às terças e quintas, pela Vila Formosa. Alguns fregueses de antigamente continuam fiéis aos peixes do Seu Francisco, outros são novos, que o veem passar constantemente em frente de suas casas ou local de trabalho e já adquiriram confiança no produto que é vendido.

Numa metrópole como São Paulo, é até difícil acreditar que esse tipo de trabalho ainda sobreviva. Mas a vida é assim mesmo, repleta de cenas inacreditáveis.

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