De bom humor 0 2596

Para Paulo Bonfá, o brasileiro tem que aprender a encarar piadas e brincadeiras como diversão e os humoristas precisam de ousadia para combater o que é politicamente correto demais

Todo mundo prefere rir a chorar. A menos que seja chorar de rir. Para colocar no centro das discussões essa arte antiga, e polêmica, de fazer rir, o comediante Paulo Bonfá criou, no ano passado, o Risadaria. O festival de humor, que acontece no fim deste mês em São Paulo, quer ser um evento anual do calendário paulistano e um espaço para reunir todas as formas de comédia e mostrar a força do humor brasileiro. “Um endereço para fazer as pessoas rirem com TV, rádio, internet, cinema, cartum, literatura, fotografia etc. Quando criei o festival, eu tinha viajado o mundo e concluído que o Brasil era, de fato, o País do humor. Digo isso porque conheço pessoas que não gostam de futebol nem de carnaval! (risos)”.

Com nomes fortes do humor nacional nos bastidores, como Marcelo Tas, Caco Galhardo, Diogo Portugal, Marcelo Madureira e Wellington Nogueira (do grupo Doutores da Alegria), o Risadaria vai misturar, este ano, as formas mais tradicionais de humor a outras mais inusitadas. Terá, por exemplo, uma mostra exclusiva de “documentários de humor” e uma exposição do “humor no grafite”, esta última com curadoria da dupla Osgemeos, grafiteiros paulistanos reconhecidos internacionalmente.

Coordenando toda essa ‘risadaria’ está Bonfá, que completa 20 anos de carreira em 2011, dos quais 17 foram na MTV, apresentando o RockGol, um programa de ‘tiração de sarro’ no meio futebolístico. Como muitos humoristas, Bonfá começou no rádio (e ficou famoso com o programa Sobrinhos do Ataíde, na década de 90) e migrou para a televisão, o meio de comunicação mais forte que temos. Hoje, com um programa na rádio Oi Fm e concentrado na organização e realização do festival, ele acha que o brasileiro precisa aprender a rir mais de si mesmo e que os comediantes precisam acabar definitivamente com o politicamente correto demais. Confira a entrevista completa.

Uma das ideias do Risadaria é “promover o humor como cultura”. Ele (o humor) ainda é visto como uma arte menor, mesmo presente em todas as artes?

Quando se fala de cultura, as pessoas tendem a pensar em música, dança, artes plásticas. Mas o DNA brasileiro, aquilo que nos é mais natural, é justamente o espírito irreverente. Por isso defendo que o humor não é coadjuvante, é protagonista! Basta pensar, por exemplo, nos programas que são destaque na TV, nas bilheterias dos cinemas e nas peças de teatro que ficam mais tempo em cartaz.

O sucesso da stand-up comedy no Brasil tem ajudado a melhorar a forma como o humor é visto no País?

Qualitativamente, não vejo relação direta entre uma coisa e outra. Mas o crescimento do gênero stand-up comedy ajuda a colocar mais holofotes sobre o humor em geral, o que é muito bom para todos os comediantes.

Hoje, o humor é usado para falar de assuntos importantes, como faz, em muitos momentos, o programa CQC, da TV Bandeirantes. Podemos dizer que o humor é coisa séria? Não poderia ser mais bem aproveitado para chamar a atenção das pessoas a problemas graves que temos, como, por exemplo, na política?

Humor tem que ser engraçado! A função crítica é apenas uma das nuances de nossa atividade. E, sim, deve ser destacada. É um de nossos “papéis”. Mas eu sou contra o politicamente correto, o ‘bom mocismo’, o excesso de seriedade. Acredito que as pessoas tem que aprender a rir mais de si mesmas…

E há assuntos proibidos na hora de fazer humor ou é possível fazê-lo com qualquer assunto?

Há apenas o limite do bom senso. Ninguém precisa achar graça em uma determinada piada. Mas os humoristas devem ter o sagrado direito de fazê-la sempre.

Uma pessoa pode “aprender” a ser humorista ou isso é uma característica nata?

Como em qualquer profissão, existe a técnica e a experiência. No entanto, a exemplo de outras manifestações artísticas – ou até no caso de alguns talentos esportivos – há um componente inato que pode contribuir decisivamente para o sucesso na atividade cômica. Em outras palavras, é mais fácil para quem nasce com o “dom” de fazer os outros rirem.

No seu caso, é uma característica nata? Você sempre foi engraçado, piadista, tirador de sarro?

Sempre fui muito observador e tirador de sarro. Piadas nunca foram muito a minha praia. Meu negócio – desde criança – era parodiar situações, criar personagens, inventar histórias. Nesse sentido, o humor era um hobby que virou trabalho. Sou privilegiado por ter esta profissão.

“Sou contra o politicamente correto, o ‘bom mocismo’, o excesso de seriedade. as pessoas tem que rir mais de si mesmas”

No ano passado, o humor foi o centro das atenções com a censura do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aos humoristas por causa das eleições. O que você achou da proibição e, depois, da liberação?

Foi um exemplo de mobilização da classe humorística contra a censura e pela liberdade de expressão. Na verdade, a proibição de os comediantes satirizarem candidatos durante a eleição representava um perigo para toda a sociedade. Veja: a razão era política, mas poderia muito bem ser religiosa ou comercial, por exemplo. E, depois dos humoristas, quem garante que os professores, os advogados ou outros grupos não poderiam também ser censurados? Foi uma vitória da democracia.

Dizem que fazer humor no Brasil é muito difícil porque tudo é visto como “politicamente incorreto”, que nos Estados Unidos, por exemplo, é muito mais fácil falar com humor sobre qualquer assunto. Você acha que isso é uma questão da cultura do País?

Verdade! Por incrível que pareça, o americano está mais acostumado a rir de si mesmo do que o brasileiro! Talvez a audiência nacional tenha que experimentar algumas “ousadias” para perceber que piadas, gozações e brincadeiras não passam disso mesmo: diversão descompromissada. O politicamente correto é uma praga que deve ser combatida pelos comediantes.

Gostaria que você comentasse duas afirmações suas: “quem agrada a todo mundo acaba não agradando ninguém” e “nenhum comediante tira sarro de algo que não seja sucesso”.

No primeiro caso, é importante ter a noção de que ninguém detém o monopólio da graça. Exatamente por isso eu disse que os humoristas precisavam buscar seu público sem cair na armadilha de querer agradar a todos (pois reside aí o grande risco de se tornar irrelevante). Na segunda afirmação, o contexto envolvia uma conversa sobre pessoas públicas de diferentes áreas se incomodarem com alguma gozação. Antes de reclamarem, elas deveriam pensar que a notoriedade embute vários “riscos” e, exatamente por isso, requer uma preocupação redobrada com a conduta pessoal.

Você começou fazendo humor no rádio. O que mudou de lá para cá?

Neste ano completo 20 anos de carreira! Comecei em 1991, na rádio USP FM, com 19 anos. Como era de se esperar, ao longo dessas duas décadas o que mais mudou foi a tecnologia. Depois, logicamente, vêm os hábitos de audiência – as pessoas ouviam muito mais rádio antigamente, já que não tinham seus iPods e afins. Hoje, com a facilidade de acesso e a velocidade da web, músicas são “commodities” e obrigam as emissoras a se reinventarem.

De que maneira a sua formação em áreas tidas tão sérias (economia e administração) ajuda na profissão de comediante?

Minha formação acadêmica foi toda voltada para a área de negócios, o que me possibilitou montar meu próprio escritório e conduzir minha carreira sem a necessidade de empresários. Quanto à atividade humorística em si, digamos que eu pude escrever um punhado de roteiros engraçados sobre o ambiente corporativo e suas idiossincrasias.

Para se abastecer de piadas é preciso estar sempre muito bem informado. Um comediante nunca para de trabalhar? Encontra piada em todos os lugares?

O principal é a observação. Logo depois, informação. Por isso somos muito “ligados”. Por exemplo: assistir a televisão comigo é muito chato, já que mudo constantemente de canal e sou capaz de prestar mais atenção aos comerciais que a um determinado programa. Já tive ótimas ideias em fila de aeroporto, consultório médico e festas de família. É algo natural, nasci assim.

Existe um misticismo em torno dos comediantes de que são engraçados quando trabalham e super sérios na “vida real”, no dia a dia. É o seu caso?

Não vivo sorrindo “fora do ar”, mas também não sou um cara emburrado na vida real. Talvez as pessoas estranhem o fato de os humoristas se comportarem seriamente, porém não é possível viver 24 horas de bagunça por dia. Se fosse assim, não duraríamos um mês. Hoje em dia, no início de uma reunião importante, eu aviso antes: “vocês vão se decepcionar porque eu vim aqui pra falar sobre trabalho. Se fecharmos um bom negócio, prometo fazer umas gracinhas no final”. E funciona!

Risadaria – de 24 a 27 de março. Pavilhão da Bienal
Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, Portão 3 –
Parque Ibirapuera.
www.risadaria.com.br

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