Entre perucas e apliques 0 3993

Nilta Murcelli, que durante 40 anos manteve um salão na região do Belém, é o nome mais procurado quando se trata de caracterizar personagens de filmes e novelas

Depois de viajar por muitas fazendas do interior de São Paulo, na década de 1960, em busca de cabelos bonitos e em bom estado para comprar, Nilta Murcelli não precisa mais correr atrás das madeixas. Famosa por fazer perucas e apliques usados por celebridades, tanto em personagens quanto na vida real, não há dia em que não apareça alguém em seu salão para oferecer os cabelos. “Vem gente que está precisando de dinheiro, gente que passou no vestibular, homens que vão entrar no serviço militar ou ainda quem cansou do cabelo e quer mudar o visual”, conta. “Em todos os casos eu sempre digo: você vai fazer alguém feliz”.

Essa é uma história que começou na Zona Norte de São Paulo, e teve um capítulo longo na região do Belém, onde Nilta manteve um salão por 40 anos, que fechou no final do mês de julho. “Com a demanda no salão da Rua Augusta, não dava mais para controlar os dois”, conta.

No prédio atual – onde funciona o salão de beleza, fábrica e loja – o cabelo comprado vai para o tratamento e vira apliques de estilos e formatos variados ou ainda perucas que podem ser usadas para caracterizar um personagem de novela, filme ou teatro; simplesmente para mudar o visual de alguém; ou ainda para levantar a autoestima de quem faz quimioterapia ou tem alopecia (queda de cabelos).

Por trabalhar com dois lados tão opostos – a doença e a diversão –, Nilta desenvolveu uma sensibilidade muito grande para atender a seus clientes. “Quando você vai atender alguém que precisa da peruca por causa de doença, é preciso ter muito carinho. E é gratificante ver a pessoa feliz depois do trabalho pronto”, diz. Para garantir a privacidade dessas clientes, Nilta criou uma área separada, onde elas podem escolher sua peruca sem serem vistas. Nesses casos, a meta da peruqueira é fazer com que o resultado seja o mais natural possível.

Já quando o assunto é a caracterização de personagens, não é difícil o trabalho virar diversão. Recentemente, Nilta fez o aplique que deu volume e comprimento ao cabelo de Renata, personagem da atriz Bárbara Paz na novela Viver a Vida, além da caracterização de Larissa Maciel para o papel de Maysa na minissérie homônima. “Foi um trabalho que fiz com muito carinho, porque era fã da Maysa”. É também das mãos de Nilta que saem as perucas usadas por Tom Cavalcante e pelos humoristas do programa Pânico na TV!. Muitas vezes, o resultado desse trabalho precisa ser natural, mas há casos em que o exagero é bem-vindo. “Tudo depende do propósito e do personagem”.

Além das perucas, Nilta também é especialista em apliques que servem para alongar, dar volume ou apenas um charme ao cabelo. Nesse caso, ela atende à vaidade feminina de estar sempre bonita. “Hoje, muitas mulheres têm os apliques ou perucas como acessórios”, conta. “Se o cabelo está branco e ela não tem tempo de tingir, mas surge uma festa, ela põe uma peruca igual ao cabelo natural e está pronta. Tem gente que gosta de levar em viagem, para poder aproveitar a praia e a piscina durante o dia e poder sair com um cabelo perfeito à noite. Temos opções para todos os casos e fazemos adaptação na hora por profissionais capacitados que sabem cortar uma peruca”.

O cardeamento é o momento em que os cabelos já tratados
são separados por comprimento
Os fios são costurados para virar um cordão que pode se transformar em vários tipos de aplique
Alguns dos apliques criados e produzidos por Nilta

O começo

Essa história de ganhar a vida fazendo perucas ou apliques começou em 1962, na Zona Norte, onde Nilta morava. Em uma época na qual o secador era artigo de luxo e não se falava em mega hair, chapinha ou escova progressiva, ela chamava a atenção pela forma como cuidava das próprias madeixas. Começou a ter uma demanda das vizinhas e amigas e, aos poucos, isso virou negócio. Nessa época, as perucas já existiam, mas eram todas sintéticas. Com uma certa visão empresarial, Nilta resolveu apostar nas perucas de cabelo natural. Para isso, olhava como as sintéticas eram feitas e foi descobrindo como fazer as perucas. Virou um sucesso. Um dia, resolveu participar de um concurso do programa Silvio Santos e levou para o palco o penteado “Praça”, com direito a árvores com cabelos verdes e bancos. Saiu vencedora e, aí, começaram a aparecer novos clientes.

Outra mudança aconteceu quando foi entregar uma encomenda para um cliente no Belém e descobriu que ele estava precisando de um profissional para dar aulas. “Acabei ficando lá e, alguns anos depois, comprei o salão. Fiquei lá de 1971 até 31 de julho de 2010. Resolvi encerrar, porque não tinha mais tempo de ir até lá. Mas a Zona Leste está no meu coração, porque foi uma fase muito gratificante. Cheguei, inclusive, a morar na região”, conta.

Nessa época, Nilta começou a atender muitas noivas e, segundo ela, foi a responsável por trazer ao Brasil o chamado Dia da Noiva, quando a mulher recebe vários mimos antes de subir ao altar. “Fui para a Europa, onde esse sistema era muito usado. Resolvi começar a fazer aqui também”.

Depois que comprou o salão na Rua Augusta e começou a atender celebridades, Nilta especializou-se definitivamente em perucas e apliques. Hoje apenas na supervisão (quem pega no pesado são as netas e a filha), ela ainda cria muitos dos tipos de apliques que oferece às clientes. Nos fundos do salão, um grupo de mulheres trabalha o dia todo para executar as ideias que saem da cabeça dessa mulher que entende absolutamente tudo de cabelos.

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