Vida de superação 0 6215

Professor de ginástica conta como enfrenta o desafio de reaprender a viver sem as duas pernas

Por mais que eu tente, nunca conseguirei entender como é, de repente, você ter que aprender a viver sem as duas pernas. Essa é uma daquelas situações em que só a experiência pode dar a dimensão do problema. E uma experiência que Cleuton Nunes, 29, morador do Tatuapé, está vivendo na pele desde maio de 2009, quando sofreu um grave acidente de moto e precisou redescobrir, por mais piegas que isso possa parecer, o prazer de viver.

Professor de taekwondo, treinador e bailarino, Cleuton perdeu um de seus principais instrumentos de trabalho: as pernas. Dono de um corpo com 96 Kg e 11% de gordura, ele se viu fisicamente alterado (chegou a pesar 49 Kg  quando estava no hospital) e, pior, psicologicamente frágil. Sem as duas pernas e com um braço comprometido, o chefe de família (ele é casado e tem uma filha de três anos), que chegava a dar dez aulas por dia, não conseguia imaginar como poderia sustentar a família a partir de então. Precisou de tempo para entender que se reinventar é um exercício diário e nada fácil.

Hoje, quem o vê por aí sorridente e falante, subindo e descendo escadas sozinho, dando palestras e até aulas de ginástica, nem imagina o esforço que isso lhe custou e ainda custa.

Depois do acidente, Cleuton ficou 32 dias em coma induzido. Autorizou a amputação da parte abaixo do joelho da perna direita quando ainda estava consciente, mas acordou sem nenhuma das pernas, que tiveram de ser completamente amputadas por causa de infecções.

Sem entender por que isso estava acontecendo com ele e como iria administrar sua vida a partir de então, desejou morrer. Mudou de ideia quando, já recuperando a consciência, viu o sorriso do irmão e da esposa, animados com a sua provável recuperação.

Hoje, Cleuton tem uma vida completamente nova. Convive com dores diárias no braço, no coto (parte das coxas que ficou após a amputação) e até mesmo nas pernas que não têm mais. “O meu cérebro ainda entende que eu tenho a perna. Sinto dor no calcanhar e até câimbra porque o cérebro ainda não se configurou para a atual situação”.

Há cerca de um mês, ele fez uma cirurgia no braço direito, o que está lhe devolvendo, aos poucos, os movimentos que estavam comprometidos. Foi uma injeção de ânimo. “Eu costumava dizer que sentia mais falta do braço do que das pernas. Não poder abraçar as pessoas é muito ruim”, diz.

Quase um ano depois do acidente, pode-se dizer que essa disposição é fruto exclusivamente da força de vontade de Cleuton. “O que me fez decidir levar a situação pelo lado positivo foram os olhares das pessoas. Uma vez, no hospital, alguém olhou pra mim e disse ‘é ruim não ter perna, né?’. E eu respondi: ‘é ruim não ter vida’. A partir daí, vi que precisava encarar de outra maneira”, conta. “Mas é uma tarefa muito difícil. Até hoje tenho picos de crise, momentos em que dá vontade de sumir”, completa.

Quando decidiu que não poderia se entregar, foi logo em busca da conquista da independência. “Aos poucos eu percebi que o cuidado das pessoas comigo me deixava muito frágil. Foi aí que comecei a tentar fazer coisas sozinho. A minha primeira loucura foi passar da cadeira de rodas para cama. Fiquei tão empolgado que repeti três vezes”, diz. “Literalmente, precisei aprender tudo de novo. Tive que reaprender a sentar, a levantar, tudo com o corpo que eu tenho hoje, que é completamente diferente. Todo dia tenho que adaptar alguma coisa”, completa.

Andar ainda é o maior desejo de Cleuton e ele sabe que não é uma tarefa fácil. Primeiro porque as próteses são caras e, segundo, porque exige um esforço físico muito grande. “É muito mais fácil você viver em uma cadeira de rodas. Se você tiver uma boa cadeira de rodas, tem o seu direito de ir e vir garantidos”. É certo que os empecilhos são muitos, já que vivemos em uma cidade pensada para quem anda com duas pernas. Mas, nos seus planos, Cleuton quer usar a sua nova condição física para transformar o ambiente. “Agora, quero oferecer tudo para todos. Quero ajudar a tornar as coisas mais acessíveis para facilitar a independência”.

Prótese

Neste momento, Cleuton está fazendo testes para colocar uma prótese nas pernas. Hoje, ele já consegue subir escadas sozinho, passar da cadeira para a cama, ir ao banheiro, tomar banho e muitas outras coisas. Também está na auto-escola para poder dirigir um carro adaptado. Já chegou a dar aulas como personal trainer e pretende voltar a trabalhar normalmente. “Não vou poder pular, chutar, fazer flexão puxando a coxa no peito, extensão, mas nada que não seja adaptável. Com as próteses, posso chegar a ter 60% da vida que eu tinha. Tudo depende de mim”, diz. E de um pouco de dinheiro também. Os preços das próteses indicadas para o caso dele variam de R$ 150 a R$ 250 mil. “Existem muitas pessoas que me ajudam e um comprometimento da empresa em que trabalho para que eu possa comprar a prótese”, conta. Mas ainda é preciso mais. Em breve deve entrar no ar um hotsite que vai permitir que qualquer pessoa se envolva com o caso de Cleuton. E se você quiser ajudar, pode entrar em contato pelo e-mail cleutontdk@hotmail.com ou pelo telefone (11) 9607-4395.

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